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STF decide contra extensão do prazo de patentes e pode ampliar acesso a remédios baratos

jurinews.com.br

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Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (6) considerar inconstitucional um dispositivo da Lei de Patentes que permite a extensão do prazo de exclusividade de patentes no caso de demora na análise para autorização. A decisão vale para registros de produtos farmacêuticos, equipamentos e materiais de saúde utilizados para combater a pandemia de Covid-19.

Apesar da decisão, o julgamento ainda não terminou. Na próxima quarta-feira (12), os ministros devem decidir o alcance da decisão, a chamada modulação de efeitos. De acordo com o relator do caso, ministro Dias Toffoli, a decisão deve manter 90% das patentes que estão em vigor e foram estendidas pela norma. 

A Corte manteve a decisão individual proferida pelo relator no início do mês passado, na qual foi suspensa a prorrogação de patentes para produtos farmacêuticos, equipamentos e materiais de saúde diante da pandemia de covid-19.

Toffoli atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para suspender a eficácia do Artigo 40 da Lei nº 9.279/1996. O dispositivo trata do prazo de validade de uma patente no caso de demora na análise pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Para a PGR, o artigo é inconstitucional por conferir prazo de vigência indeterminada às patentes. 

Pela lei, o prazo de exclusividade de patentes é de 15 ou 20 anos, conforme o tipo de produto, mas pode ser estendido por até dez anos diante da demora na aprovação. 

Remédios mais baratos

A decisão do STF alinha a legislação brasileira sobre o tema às de outros países e permite que a população tenha acesso a remédios mais baratos. O escritório que atuou no caso desde o começo defendendo a tese da inconstitucionalidade da prorrogação de patentes comemorou a decisão.

“A Corte referendou o prazo legal de 20 anos das patentes, eliminando grave distorção que permitia a extensão da vigência patentária para além dos 20 anos, deixando a lei brasileira em contradição com a nossa Constituição Federal e na contramão do Direito Internacional”, afirmou o advogado Marcus Vinicius Vita.

O advogado também avalia que o impacto é maior para o setor de saúde, permitindo a ampliação do acesso de genéricos. “A decisão tem impacto social de enorme relevância, pois garante uma ampliação imediata dos medicamentos genéricos, reduzindo os gastos públicos e permitindo um maior acesso à saúde, direito fundamental de qualquer cidadão.”

Para o advogado do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual no processo, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, a decisão é ainda mais importante em tempos de epidemia de Covid-19.

“Ao declarar inconstitucional a extensão dos prazos de patentes, o STF cumpre sua missão de balizar o cumprimento da Constituição. A decisão demonstra o pleno funcionamento do sistema de freios e contrapesos. Preservada a proteção patentária por 20 anos, o STF afasta a extensão sem prazo determinado e sem justificativa constitucional suficiente. A proteção do direito à saúde, com remédios mais baratos para a população é um imperativo ético nesse momento de pandemia”.

Contrário às normas internacionais

O parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial contraria as normas internacionais, que limitam as patentes de invenção a 20 anos, aponta o advogado Fabrício Polido.

“O término do prazo de proteção é relevante para que concorrentes possam explorar a tecnologia no Brasil, já que a invenção cai em domínio público. Sem domínio público, não existe continuidade da atividade inventiva e inovadora nos mercados, já que uma patente bloqueia — no tempo e território — a atividade de concorrentes para determinada tecnologia. Enquanto em outros países, a invenção já caiu em domínio público e pode ser explorada por empresas (por exemplo, fabricação de genéricos, insumos químicos para agricultura, processos alimentares), no Brasil permanecia ‘trancada’ pela patente que ia sendo prorrogada”.

Falta de políticas públicas

Para o advogado Thiago do Val, o principal problema na área de patentes no Brasil não é a prorrogação dos títulos, mas a falta de políticas públicas na área de inovação e tecnologia e de gestão efetiva e investimento no INPI, o que tornaria as análises de pedidos de mais céleres.

O advogado concorda com os argumentos dos votos divergentes dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux de que o pedido de patente representa mera expectativa de direito, que é consolidado no momento de sua concessão.

“Outro ponto de extrema importância e relevância defendido pelo ministro Barroso é o efeito sistêmico que decisões que envolvem áreas sensíveis e fogem ao conhecimento estritamente jurídico podem alcançar. Não raramente é imposto ao Judiciário a resolução de problemas que possivelmente teriam melhor deslinde caso fossem proferidos por aqueles que de fato possuem conhecimento profundo e estratégico do assunto”, analisa.

Impacto acadêmico

Os ministros Dias Toffoli, o relator do caso, e Ricardo Lewandowski citaram em seus votos estudo do Grupo Direito e Pobreza, vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A entidade fez uma comparação entre as legislações de patentes do Brasil e de outros 29 países, a partir de pouco mais de 5.000 decisões sobre concessão, extensão e ajuste do termo dos registros.

E concluiu que ao deixar indeterminado o prazo máximo da patente, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial privilegia de forma desproporcional o responsável pelo registro, em detrimento da defesa do consumidor e da livre concorrência.

O estudo também destacou que, na comparação com a experiência de outros países, a legislação patentária brasileira foi a que mais prorrogou a proteção: foram 24,3 anos em média, entre o início da vigência legal e o fim do período de exclusividade.

Além disso, a pesquisa da USP indica que a proteção do direito à saúde — especialmente em meio à epidemia de Covid-19 — está vinculada ao acesso à produção de medicamentos (principalmente genéricos) em larga escala e a preço razoável — “o que não pode ser efetuado diante de prazos de vigência patentários desproporcionalmente altos”.

O professor da USP e coordenador do Grupo Direito e Pobreza, Carlos Portugal Gouvêa, declarou que a decisão do STF demonstra a relevância de pesquisas acadêmicas.

“Trata-se de uma decisão histórica. Dependendo da modulação, poderá ser a decisão mais importante do STF em matéria de direito à saúde e do Direito da Propriedade Industrial. Ficamos muito felizes com o fato de vários ministros terem baseado seus votos em um estudo do Grupo Direito e Pobreza da USP que demonstrou que o Brasil tinha as patentes com maior prazo de vigência do mundo. É um reconhecimento da importância da pesquisa acadêmica independente e desinteressada, como ressaltou o ministro Lewandowski”

Com informações da Agência Brasil e Conjur

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