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‘QUEBRA’ DE DECISÕES: Julgamento do STF gera uma enorme insegurança jurídica, avalia advogada tributarista

Advogada tributarista e professora Josiane Minardi, sócia do escritório Gamil Föppel Advogados Associados

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Uma decisão do Supremo Tribunal Federal na tarde desta quarta (08) cria uma insegurança jurídica brutal para os contribuintes, além de gerar um rombo no caixa de algumas empresas. Por unanimidade, o STF decidiu que decisões de matéria tributária que já haviam transitado em julgado deixarão de valer quando houver uma mudança na jurisprudência no Supremo.

A JuriNews entrevistou a advogada tributarista e professora Josiane Minardi, sócia do escritório Gamil Föppel Advogados Associados, sobre os desdobramentos e a repercussão dessa decisão no meio jurídico.

JuriNews: As empresas que tiveram decisões favoráveis pelo não pagamento de alguns tributos terão que voltar a pagá-las caso o STF decida a posteriori que aquele imposto é constitucional?

Josiane Minardi: Terão que voltar a pagá-las. Os Ministros definiram que um contribuinte que obteve uma decisão judicial favorável com trânsito em julgado permitindo o não pagamento de um tributo perde o seu direito diante de um novo entendimento do STF que considera a cobrança constitucional. O entendimento é que a cessação de efeitos da coisa julgada é automática diante de uma nova decisão do STF, não sendo necessário que a União ajuíze ação revisional ou rescisória.

JuriNews: O STF decidiu também – por 6 votos a 5 – pela não-modulação dos efeitos, o que abre espaço para a Fazenda cobrar os impostos não pagos de forma retroativa, inclusive com multas e juros. Qual o impacto disso na saúde financeira de empresas beneficiadas pelas decisões anteriores?

​Josiane Minardi: Com esse resultado, por força de decisão definitiva, dos valores que não foram pagos pelo contribuinte no passado, faz com que gere endividamento por parte das empresas e estas podem acabar fechando. ​

JuriNews: A decisão do STF afeta particularmente empresas que tiveram decisões favoráveis envolvendo a CSLL (a Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e não pagaram o imposto a partir dos anos 90. Mas em 2007 o STF decidiu que a CSLL era um imposto constitucional. Pela decisão de ontem, essas empresas terão que pagar o retroativo até a decisão de 2007. A modulação pacificaria esse tipo de problema?

​Josiane Minardi: A modulação pacificaria este tipo de problema, visto que o contribuinte apenas pagaria após a decisão e não os retroativos, que entram com juros e multa. Ao não modular os efeitos, gera uma enorme insegurança jurídica. O Ministro Luís Roberto Barroso fixou a seguinte tese: “1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.
Mas, a depender do tributo, os contribuintes que tiveram a quebra da decisão judicial transitada em julgado terão a aplicação das anterioridades de exercício e nonagesimal, ou seja, só pagarão o tributo no próximo exercício financeiro ou depois de 90 dias.

JuriNews: Em muitos casos, esses valores chegam na casa dos bilhões de reais. O problema da retroação é que surgem várias outras dúvidas. Será razoável que os contribuintes que confiaram na decisão em julgado tenham que pagar esses tributos com juros e multas agora?

​Josiane Minardi: Não seria razoável que os contribuintes que confiaram na decisão tenham que pagar esses tributos com juros e multa. Porém, nas palavras da Ministra Rosa Weber, a modulação traria uma maior insegurança jurídica e não ao contrário. Neste sentido, argumentou que a não modulação de efeitos da decisão não rompe a legítima expectativa dos contribuintes, porque desde 2007 há uma decisão do Supremo entendendo pela constitucionalidade da CSLL.
​Ocorre que, a coisa julgada é uma garantia fundamental que não pode ser objeto de emenda à Constituição e ao permitir a “quebra”, a Corte está superando a Constituição.

JuriNews: Essa decisão também afeta decisões transitadas em julgado, reconhecendo a inconstitucionalidade dos tributos e repetição do indébito antes do julgamento de repercussão geral que confirma a inconstitucionalidade dos tributos, mas modula seus efeitos excepcionando temporalmente essas ações?

​Josiane Minardi: Em relação à inconstitucionalidade dos tributos, empresas/contribuintes que tenham decisão judicial transitada em julgado reconhecendo a constitucionalidade de determinado tributo que, posteriormente, for reconhecido como inconstitucional pelo STF, poderão reanalisar a possibilidade de recuperar os valores após a decisão em repercussão geral. Mas, caso um contribuinte tenha a seu favor uma decisão com trânsito em julgado que reconheceu seu direito de não pagar determinado tributo e, em um momento futuro, o STF entenda que a cobrança é constitucional, a decisão favorável da empresa perde seus efeitos. Assim, o contribuinte terá que retomar o pagamento de referidos valores, respeitados os princípios da noventena e da anterioridade anual, a depender do tributo.

JuriNews: Isso repercute em todas as decisões transitadas em julgado de todas as instâncias do judiciário?

​Josiane Minardi: Sim, repercute em todas as decisões transitadas em julgado de todas as instâncias do Judiciário. Além disso, pode repercutir na esfera administrativa, bastando que mude o entendimento e a Receita faça a autuação.

JuriNews: Com essa decisão, se cria uma enorme insegurança jurídica para o contribuinte. Ela fere o princípio da isonomia?

​​Josiane Minardi: O Ministro Relator, Luís Roberto Barroso entende que a Constituição não pode permitir tratamento desigual entre contribuintes de mesma equivalência, sob o risco de interferência na livre concorrência. Com a decisão favorável à cobrança do CSLL em 2007, o Ministro entende que poderia haver uma “injustiça tributária” se não houvesse modulação favorável àqueles que continuassem sem recolher. Saliente-se que não haveria ofensa ao princípio da isonomia, mas a segurança jurídica, que não está sendo respeitada. Houve uma violação a uma garantia da Constituição Federal. Inclusive, o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, favorável à modulação, o Ministro mostrou-se preocupado com a proteção à coisa julgada Para ele, a não modulação significa flexibilizar a coisa julgada. Além disso, o Ministro lembrou que, em nenhum momento da discussão da ADI 15 (discutiu a constitucionalidade do CSLL) colocou-se o afastamento da coisa julgada como parte dos efeitos da decisão.

JuriNews: O STF havia feito um julgamento virtual em dezembro para tratar desse assunto. No julgamento virtual, a modulação estava ganhando por 6 a zero, quando um dos ministros fez um pedido de destaque – obrigando a anular a votação e transferi-la para um julgamento presencial. O que mudou de lá para cá, que fez o placar sair de 6 a zero a favor dos contribuintes, para os 6 a 5 de ontem?

Josiane Minardi: Houve o entendimento de que o STF não estava lidando com um problema de relativização da coisa julgada, apenas marcando temporalmente os efeitos da coisa julgada em relações de tratos continuados. Isto posto, foi trazido que a modulação de efeitos que traria uma insegurança jurídica, especialmente aqueles envolvidos que após a decisão do STF em sentido contrário a coisa julgada que lhes havia sido favorável recolheram devidamente o tributo, conforme o voto da Ministra Rosa Weber.

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