Como trazer para dentro de um processo judicial milhares de pessoas atingidas por um mesmo problema e que devem participar de um processo coletivo para formação do mérito? Como fazer que uma ação coletiva realmente solucione uma questão jurídica complexa e garanta a participação dos interessados difusos?
Uma prática em atividade desde 2017, em Minas Gerais, vem revolucionando a forma de participação popular em decisões nos processos coletivos e foi a vencedora na categoria Juiz do 18º Prêmio Innovare. Criado a partir de pesquisas do desembargador Vicente de Paula Maciel Júnior, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3), o Processo Coletivo Eletrônico é uma plataforma que organiza a análise, a participação e a votação das propostas, dando voz a todas as pessoas participantes do processo.
“O nosso projeto visa a ser um antídoto para o momento totalitário que estamos vivendo em diversos países do mundo e a ideia é criar um mecanismo de solução efetivamente democrático para situações que importem na vida das pessoas”, afirmou o desembargador, juiz e professor do programa de graduação e pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) Minas.
O Processo Coletivo Eletrônico permite a participação popular de forma ordenada, com a exposição de uma posição favorável, uma posição contrária e uma posição intermediária ao assunto em questão e em que se possam conhecer outros argumentos que são apresentados em favor de cada uma dessas posições. Por ser uma plataforma eletrônica, a prática permite, inclusive, a anexação de provas para visualização e análise de todos os envolvidos.
Responsável por relatar algumas das práticas preferidas pelos jurados, durante a reunião da Comissão Julgadora do Innovare, o consultor tributário Everardo Maciel elogiou o trabalho, destacando que foi bem-sucedido durante testes em Minas Gerais.
“Pessoas previamente identificadas e qualificadas se habilitam no processo e podem, portanto, votar. Essa prática já foi testada no município de Pompéu, no estado de Minas Gerais, em processo coletivo contra a Vale do Rio Doce. O resultado foi bem-sucedido e findou em um acordo entre a prefeitura e a empresa. Ela também tem o apoio da PUC Minas e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), para o desenvolvimento do processo.”
Como funciona o Processo Coletivo Eletrônico?
A plataforma “processocoletivo.com” foi criada a partir de doações do desembargador e de seus alunos e ex-alunos do mestrado e doutorado na PUC Minas. Ela é um sistema eletrônico de gestão de processos coletivos que une as linguagens do direito e da informática. A ferramenta permite a criação e a participação em um processo de participação coletiva, podendo ser utilizado desde uma audiência pública de interesse público até uma deliberação de uma associação ou condomínio, por exemplo.
O aspecto diferencial da proposta é que ela é formatada para que as discussões se desenvolvam sempre seguindo uma ordem na qual primeiro fala um representante de uma tese favorável ao tema discutido, depois um representante da tese contrária e depois uma terceira posição, se houver.
“Com isso, de modo racional e garantindo-se o contraditório, todos devem conhecer a integralidade dos argumentos antes de votarem nas propostas. Ao final todos poderiam votar nas teses discutidas, com divulgação instantânea dos resultados”, explica o desembargador Maciel Junior.
Ação decisiva
Com apoio institucional da PUC Minas, a plataforma vem sendo testada desde 2017, com audiências públicas simuladas e a participação de alunos da graduação e pós-graduação, abordando temas que envolviam direitos difusos e de grande repercussão. O primeiro case fora da instituição foi uma audiência pública em Pompéu/MG.
“A prática foi implementada a pedido do prefeito da cidade, atingida pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Então organizamos uma audiência pública na Câmara Municipal de Pompéu, com a participação da população, que votou, ao final, favoravelmente ao ajuizamento da ação. A ação foi movida pelo procurador do município e resultou, recentemente, em um acordo de mais de R$ 100 milhões revertidos ao município”, comemora o desembargador.
“O Processo Coletivo Eletrônico tem como grande benefício promover a defesa do acesso à justiça, incluindo os interessados difusos e coletivos nos debates para a solução de um conflito sobre mesma questão de fato ou circunstância jurídica. Com isso, o Estado e o particular, o pobre e o rico, o patrão e o empregado, todos os atingidos por uma mesma circunstância de fato e que podem ser afetados pela decisão que se produzirá em um processo coletivo podem ter a oportunidade de participar, ou aderindo a teses já defendidas ou propondo teses ainda não percebidas pelas partes”, completa Maciel Júnior.
Innovare
Criado em 2004, o Prêmio Innovare destaca as boas iniciativas da área jurídica, idealizadas e colocadas em prática por profissionais do Sistema de Justiça interessados em aprimorar e facilitar o acesso da população ao atendimento. Ele reconhece e dissemina práticas transformadoras que se desenvolvem nos órgãos, independentemente de alterações legislativas. Mais do que reconhecer, o Innovare busca identificar ações concretas que signifiquem mudanças relevantes em antigas e consolidadas rotinas e que possam servir de exemplos a serem implantados em outros locais.
O ministro Ayres Britto é o presidente do Conselho Superior, órgão que tem como atribuição definir as diretrizes anuais do Prêmio e que é formado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pela Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania, pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com o apoio da Globo.
Com informações do CNJ