Sob o título “Em defesa do estado de direito democrático e do devido processo legal“, um manifesto assinado por 87 magistrados questiona a interferência do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, no processo da Boate Kiss.
Sem nominar o presidente do STF, o texto destaca “a qualidade jurídica dos fundamentos” dos magistrados que atuaram no primeiro e no segundo grau, desde Santa Maria até Porto Alegre.
O “leito natural de resolução de divergências”, contudo, foi rompido pela “inusitada e abrupta intervenção monocrática do STF, provocada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul”, afirmam os subscritores.
Eis a íntegra da manifestação:
Nós, magistrados e magistradas abaixo assinados, em relação ao andamento processual do processo da Boate Kiss, manifestamos a nossa preocupação com a importância de preservar o devido processo legal em qualquer circunstância.
Poucas vezes foi tão fácil defender a independência da magistratura gaúcha e a institucionalidade do Poder Judiciário.
Na tragédia da Kiss, a dor é perene e inexorável. A repercussão, inevitável. Não se pode dizer o mesmo dos caminhos processuais escolhidos a partir do 10 de dezembro, quando se encerrou a sessão do Tribunal do Júri.
Sem necessidade de uma única linha sobre o mérito do tema controverso – a execução provisória das penas sentenciadas – destacamos a qualidade jurídica dos fundamentos dos magistrados que atuaram no feito, no primeiro grau, desde Santa Maria até Porto Alegre, e no segundo grau, cuja retidão moral é incontroversa, bem como o cuidado com que foram expostas as decisões. As divergências quanto a aspectos fático-normativos têm um leito natural de resolução.
Que foi, neste caso, rompido.
Não por um insinuado tráfico de influências, como opinou colunista de jornal local.
Tão inusitada e abrupta a intervenção monocrática do STF, provocada pelo MPRS, que os três mais importantes jornais brasileiros, em sucessivos editoriais, demonstraram uma rara convergência pública.
Talvez olhos de fora vejam melhor:
“Estranha decisão no caso da boate Kiss – além de atropelar a competência do STJ, a decisão do presidente do Supremo é um convite nada sutil para reabrir a discussão sobre o início do cumprimento da pena” (O ESTADO DE S. PAULO, 16/12);
“Foi atropelo mandar prender condenados por incêndio da Kiss – Decisão de Fux abre precedentes insondáveis no futuro e deveria ser revista pelo plenário do Supremo” (GLOBO, 17/12);
“Populismo penal – Ordem de Fux para prender condenados no caso da boate Kiss atropela garantias (FOLHA DE S. PAULO, 20/12).
Frases além Mampituba: Não cabe ao presidente do Supremo tentar acelerar o cumprimento da pena num caso particular que nem foi submetido ao Tribunal, por mais que a decisão lhe pareça justa. (…) ele aplicou uma lei de 1992 feita para proteger o Estado do festival de liminares em ações de Direito Público (…) ele atropelou instâncias e o entendimento do próprio Supremo. (…) Faria bem em rever a decisão, para o bem da estabilidade nas regras e da segurança jurídica no Brasil (GLOBO);
… a decisão de Luiz Fux representa uma tentativa de reabrir, por vias tortas, a discussão sobre o início da execução da pena, discussão essa na qual o presidente do Supremo foi voto vencido. Sempre, mas especialmente em questões penais, o Poder Judiciário não pode estar refém das idiossincrasias de um magistrado. (…) Esta é a principal deficiência da decisão: para fazer valer sua interpretação pessoal do Direito, o Ministro Fux assume uma atribuição institucional que não lhe compete. (…) Para suspender a decisão do TJRS, o presidente do Supremo valeu-se de uma interpretação que, em alguma medida, restringe o alcance protetivo do habeas corpus. (…) A decisão tem, assim, um caráter de afronta não apenas à recentíssima decisão do STF sobre os efeitos práticos da presunção de inocência, mas ao próprio caráter colegiado do Supremo. (…) Atropelos judiciais são especialmente graves em questões penais, sobretudo em processos de grande comoção popular, como é o caso do incêndio na boate Kiss. O respeito às regras de competência e o zelo com a jurisprudência são condições necessárias para que a justiça não se transforme em justiçamento. A prestação jurisdicional não é exercício de popularidade, tampouco teste da sagacidade do juiz, para avaliar se é capaz de fazer prevalecer sua opinião pessoal. (ESTADÃO);
… expõe uma espécie de populismo vigente no Judiciário. A começar, o caso chegou às mãos de Fux de forma tortuosa. O recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul — no linguajar técnico, suspensão de liminar — nem sequer serve, pela legislação, para que se suspenda um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça gaúcho, como fez o presidente do STF. (…) Não se deve enfraquecer o instrumento de habeas corpus ao sabor dos humores da opinião pública (…) Fux emitiu ainda uma segunda decisão enfatizando que o TJ-RS não poderia revogar a detenção, porque esta somente poderia ser alterada pelo próprio STF. O remendo não veio sem críticas contundentes de especialistas e entidades. (…) A corte faria melhor em agir no que lhe cabe: não atropelar instâncias inferiores, mas apresentar a diretriz correta para as matérias em questão. (FOLHA).
Mais pode parecer desnecessário. Mas, da nossa trincheira, calar significaria anuir, esmorecer. Não são atributos da magistratura. Sirvam, nossas palavras, de testemunho. E de compromisso sempre renovado com a democracia e o Estado de direito.
Porto Alegre, 23 de dezembro de 2021.
Adolfo Pires da Fonseca – TJMA
Adriana Mendes Bertoncini – TJSC
Alberto Alonso Muños –
Alexandre Aronne de Abreu – TJMRS
Alexandre Kosby Boeira – TJRS
Alexandre Kreutz – TJRS
Ana Cristina Borba Alves – TJSC
Ana Paula Alvarenga Martins – TRT 15
André Luís de Moraes Pinto – TJRS
Andrea Bispo – TJPA
Antônio Claret Flores Cecato – TJRS
Bruno da Costa Rodrigues – TRT 15
Carlos Alberto Etcheverry – TJRS
Claudia Maria Dadico – TRF4
Conceição Aparecida Canho Sampaio Gabbardo – TJRS
Cristiana de Faria Cordeiro – TJRJ
Dalmir Franklin de Oliveira Júnior – TJRS
Dulce Ana Gomes Oppitz.
Edson Pecis Lerrer – TRT4
Eduardo Uhlein – TJRS
Eugênio Couto Terra – TJRS
Eugênio Facchini Neto – TJRS
Fabiana Fiori Halal
Fernanda Ghiringhelli de Azevedo- TJRS
Fernando Mendonça – TJMA
Flávio Rabelo – TJRS
Francisco Luciano de Azevedo Frota – TRT10.
Franklin de Oliveira Neto – TJRS
Gabriela Dantas Bobsin – TJRS
Gabriela Lenz de Lacerda – TRT4
Germana de Morelo – TRT17
Gláucia Foley – TJDFT
João Ricardo dos Santos Costa – TJRS
Jocelaine Teixeira – TJRS
Joni Vcitória Simões – TJRS
José Antonio Correa Francisco – TRT11
José Henrique Rodrigues Torres – TJSP
Judith Dos Santos Mottecy TJRS
Karla Aveline de Oliveira – TJRS
Leo Pietrowski – TJRS
Leoberto Narciso Brancher – TJRS
Lourdes Helena Pacheco da Silva- TJRS
Luciano André Losekan – TJRS
Lucy Lago – TRT17
Luís Antônio Saud Teles – TJRS
Luís Christiano Enger Aires – TJRS
Luis Eduardo Soares Fontenelle – TRT17
Luís Fernando Camargo de Barros Vidal – TJSP
Luiz Alberto de Vargas – TRT4
Luiz Antônio Alves Capra – TJRS
Luiz Eduardo Oliveira de Faria – TJMG
Luiz Manoel Andrade Meneses – TRT20
Magda Biavaschi – TRT4
Marcel Andreata Miranda – TJRS
Marcelo Semer – TJSP
Maria Lucia Boutros Buchain Zoch Rodrigues – TJRS
Mario Sérgio Medeiros Pinheiro- TRT1
Martinha Terra Salomon – TJRS
Maurício Andrade de Salles – TJBA
Mauro Borba – TJRS
Mauro Caum Gonçalves – TJRS
Miguel Ângelo da Silva – TJRS
Naiara Brancher – TJSC
Paulo Augusto Oliveira Irion – TJRS
Pio Giovanni Dresch – TJRS
Ramiro Cardoso de Oliveira – TJRS
Reijjane de Oliveira – TJPA
Ricardo Pippi Schmidt – TJRS
Roberto Ferreira Filho – TJMS
Roberto Ludwig – TJRS
Rodrigo de Azevedo Bortoli – TJRS
Rogerio Favreto – TRF4
Ronaldo Domingues de Almeida – TJES
Rui Portanova – TJRS
Rute dos Santos Rossato – TJRS
Sidinei José Brzuska – TJRS
Simone Nacif – TJRJ
Siro Darlan de Oliveira- TJRJ
Sonali da Cruz Zluhan – TJRS
Tasso Delabary – TJRS
Uda Roberta Doederlein Schwartz – TJRS
Vera Lúcia Deboni – TJRS
Virgínia Bahia – TRT6
Vladimir Paes de Castro – TRT7
Wanderley de Carvalho Rego – TJRJ
Zéu Palmeira Sobrinho – TRT7
Fonte: Blog do Frederico Vasconcelos, da Folha de São Paulo