A ministra Rosa Weber negou, no início do mês, o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) de barrar a suspensão do Telegram no Brasil feita pelo ministro Alexandre de Moraes, em março deste ano. Para ela, não cabe à AGU agir em defesa de interesses individuais ou pretendendo a tutela de situações específicas. O pedido foi feito na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.527, ação que discute a interrupção do aplicativo WhatsApp no Brasil, e não na petição específica sobre o Telegram. Mas será que essas ações sobre suspensões de aplicativos estão relacionadas? A fundamentação foi a mesma?
A suspensão do aplicativo Telegram pelo ministro Moraes trouxe uma discussão entre advogados, acadêmicos e empresas de tecnologia sobre até que ponto a decisão poderia influenciar em outras duas ações que discutem o bloqueio de aplicativos de mensagens no país. A discussão está presente na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.527 e ambas estão paralisadas desde 2020 por um pedido de vista do ministro.
A ADI 5.527 e a ADPF 403 foram ajuizadas por causa das decisões judiciais em diferentes tribunais de Justiça brasileiros que determinaram a suspensão do aplicativo de comunicação WhatsApp em todo o Brasil, após o aplicativo informar que não poderia fornecer os dados requisitados pelos magistrados por conta da segurança da criptografia.
Tanto na ação que suspendeu o Telegram (Pet 9.935) quanto na ADPF 403 e na ADI 5.527 a discussão sobre a suspensão dos serviços de aplicativos de mensagens instantâneas envolve o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14). Na Pet 9.935, para justificar o bloqueio temporário do aplicativo russo, Moraes utilizou-se do artigo 12, III, e do artigo 10, § 1º, do Marco.
Assim escreveu o ministro:
“O desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimento de inúmeras decisões judiciais pelo Telegram, – empresa que opera no território brasileiro, sem indicar seu representante – inclusive emanadas do Supremo Tribunal Federal – é circunstância completamente incompatível com a ordem constitucional vigente, além de contrariar expressamente dispositivo legal (art. 10, § 1º, da Lei 12.965/14)
Dessa maneira, estão presentes os requisitos necessários para a decretação da suspensão temporária das atividades do Telegram, até que haja o efetivo e integral cumprimento das decisões judiciais, nos termos destinados aos demais serviços de aplicações na internet, conforme o art. 12, III, do Marco Civil da Internet”.
Na ADPF 403, na qual o ministro Edson Fachin é o relator, o voto foi no sentido de declarar inconstitucional o mesmo inciso III, do artigo 12, do Marco Civil da Internet, utilizado por Moraes para a suspensão do Telegram. “De modo a afastar qualquer interpretação do dispositivo que autorize ordem judicial que exija acesso excepcional a conteúdo de mensagem criptografada ponta-a-ponta ou que, por qualquer outro meio, enfraqueça a proteção criptográfica de aplicações da internet”, escreveu Fachin. Na ADI 5.527, a relatora é Rosa Weber e ela não considera inconstitucional o inciso III, do artigo 12.
Porém, tanto Rosa Weber quanto Luiz Edson Fachin defenderam a proteção dos dados trocados por usuários pelas redes sociais como dentro da garantia à privacidade. Os dois trataram da criptografia nos votos e a defenderam como um instrumento de segurança aos usuários. E, já que as empresas não têm acesso aos conteúdos das mensagens, não podem ser punidas por não fornecerem os dados exigidos em decisões judiciais.
Nos bastidores e segundo fontes consultadas pelo JOTA, a maioria dos ministros vêm entendendo que as situações do bloqueio do Telegram e do WhatsApp são distintas, o que justificaria a ação de Moraes. No caso do Telegram, o entendimento é o de que a empresa não atendeu aos comandos judiciais brasileiros, não tinha qualquer tipo de interlocução com a Justiça brasileira, e, sequer tinha representação no Brasil.
Já no caso do WhatsApp, a empresa foi intimada, compareceu no processo e alegou que não cumpria a decisão judicial por incapacidade técnica, ou seja, na visão de ministros do STF, no caso do WhatsApp, a discussão é outra. Aqui, a empresa respondeu aos requerimentos, mas alegou que só consegue fornecer informações dentro do limite de sua capacidade, uma vez que a criptografia de ponta-a-ponta é uma garantia de segurança ao usuário.
De acordo com fontes consultadas pelo JOTA, Moraes quer evitar a conexão entre a ADPF 403 e a ADI 5.527 com a suspensão do Telegram no Brasil na Pet 9.935, tanto que ele não tem previsão de liberar, por enquanto, os processos a julgamento, uma vez que foram interrompidos por seu pedido de vista.
A demora em definir o que pode e o que não pode em suspensão de aplicativos de acordo com o Marco Civil da Internet preocupa especialistas. Enquanto não há uma definição, o mesmo artigo pode ser usado de maneiras distintas.
Na análise de Afonso Belice, advogado que atua na ADPF 403, as discussões sobre Telegram e WhatsApp são diferentes. Para ele, no caso Telegram, houve uma falha de comunicação entre a empresa e o Judiciário brasileiro, que foi resolvida. Já em relação ao WhatsApp, a companhia não consegue cumprir a determinação judicial. No entanto, embora sejam diferentes, ele entende que é preciso que o Supremo decida logo a questão para evitar medidas desproporcionais como a interrupção de um serviço que afeta tanta gente. Por isso, em sua visão, é um bom momento para o ministro Alexandre de Moraes divulgar sua posição nas duas ações e liberar o julgamento.
“Nossa petição da ADPF é toda baseada em preceitos constitucionais da liberdade de expressão, da liberdade de comunicação… a gente não está defendendo a empresa WhatsApp, a gente está defendendo a liberdade do povo brasileiro de se comunicar da maneira que ele quiser”, afirmou.
“No voto da ministra Rosa Weber, ela diz que a gente tem que ler o Marco Civil da Internet conforme a Constituição, de acordo com a liberdade de expressão. E reitero também o voto do ministro Fachin, que para mim, é sublime, no momento em que ele diz que os direitos digitais são direitos fundamentais”, argumenta.
Paula Pedigoni Ponce, advogada do Vinícius Marques de Carvalho Advogados (VMCA), especialista em privacidade e proteção de dados, entende que, mesmo com a decisão de Moraes no caso Telegram, a tendência é que o Supremo responda à suspensão de aplicativos prevista no Marco Civil da Internet de acordo com as discussões trazidas na ADPF 403 e na ADI 5.527.
“Na ADPF e na ADI houve um amplo debate com a participação da sociedade civil. Quando você lê os votos dos ministros, têm uma fundamentação muito grande, tanto na parte técnica quanto na jurídica. Então, a minha impressão é que é difícil para os ministros fugirem dessa argumentação tão bem construída, especialmente depois da ação do IBGE, que reconheceu o direito à proteção de dados pessoais”, justifica.
Para ela, a discussão no caso WhatsApp é sobre a possibilidade de se ter um aplicativo criptografado no Brasil e que possa, eventualmente, dificultar a persecução criminal. “Essa é a disputa de fundo”, afirma. Já no caso do Telegram, tem um contexto mais amplo da preocupação eleitoral e da ausência de representação direta no Brasil.
Decisão apropriada sobre a suspensão do aplicativo Telegram
Nos bastidores, o que se comenta entre os ministros é que a decisão de Moraes de suspender o Telegram foi a melhor solução dentro do possível, já que a empresa só atendeu definitivamente os comandos judiciais após a decisão “drástica” e que não trouxe tantas consequências negativas, já que o aplicativo passou a cooperar e não chegou a ser efetivamente suspenso pois cumpriu as ordens judiciais.
Após alegar problemas de comunicação, o CEO do Telegram, Pavel Durov pediu desculpas ao Brasil em sua conta pessoal. Segundo informações da Agência Brasil, o aplicativo também já prometeu monitorar os 100 grupos mais populares no país para tentar conter a desinformação.
Vale lembrar que uma das preocupações dos ministros do Supremo, principalmente aqueles que estiveram ou estarão à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2021 e 2022, é assegurar o bom exemplo: que as medidas judiciais precisam ser cumpridas.
Além disso, no caso do TSE, há uma grande preocupação de que o desinteresse do Telegram pudesse desestimular as parcerias firmadas com outras plataformas, que estão demandando tempo e dinheiro no combate à desinformação. Porém, após a ação de Moraes, o que se viu foi um Telegram mais disposto a cooperar, tanto que, no dia 25 de março, a plataforma assinou o termo do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação no Âmbito da Justiça Eleitoral, comandado pelo TSE.
Com informações do Jota