Por compreender que houve violação do dever de revelação do árbitro, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, reconsiderou decisão para deferir um pedido de tutela provisória para suspender as medidas executivas em torno de R$ 10 milhões aplicadas contra um oncologista em um processo arbitral movido por ele contra uma operadora de plano de saúde. A decisão deve valer até o julgamento de um recurso especial na corte.
A defesa alegou que as medidas adotadas contra o médico estão sendo executadas de forma indevida. O profissional foi condenado à penhora de contas correntes, faturamentos e salários. Além disso, ele sustentou que ficou sujeito à depreciação de sua reputação e de seu prestígio na comunidade médica.
Em 14 de junho, a ministra negou a tutela de urgência ao médico. Na ocasião, ela entendeu que, ainda que o processo originário estivesse em fase de cumprimento de sentença arbitral, “o seu prosseguimento não constitui o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, a justificar a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial”.
Ao reconsiderar sua decisão, duas semanas depois, Nancy Andrighi destacou a presença do chamado fumus boni iuris — expressão que significa que o alegado direito é plausível. “Veja-se que o recurso especial foi admitido pelo tribunal de origem, sendo que há denso voto divergente a defender a nulidade da sentença arbitral, em razão da violação do dever de revelação do árbitro. De igual modo, resta demonstrado o periculum in mora, consistente em expropriação de cerca de R$ 10 milhões, decorrente de sentença arbitral cuja validade está sendo questionada no Judiciário.”
De acordo com a ministra, a concessão de efeito suspensivo não acarreta risco de dano reverso aos requeridos. “Portanto, presentes os requisitos necessários à concessão da medida de urgência pleiteada, é de ser deferido o pedido.”
SOBRE O CASO
Em 2017, o médico chefiou a área científica do Grupo Oncoclínicas, um dos maiores do setor na América Latina. Em novembro daquele ano, celebrou um contrato de parceria, consultoria e prestação de serviços especializados em oncologia com uma empresa que compõe uma cadeia de operadoras de planos de saúde.
Em outubro de 2019, o médico formalizou uma denúncia ao setor de compliance da empresa sobre um esquema fraudulento em tratamentos oncológicos destinados à população de média e baixa rendas. A acusação apontava que uma terceira empresa estava cobrando o tratamento de seus pacientes a custo substancialmente menor do que o padrão oferecido pelos hospitais ligados à operadora.
O médico afirma que, após formalizar a acusação, passou a ser alvo de represálias. Segundo ele, em vez de apurar as graves suspeitas, a empresa instaurou um procedimento de investigação contra ele, alegando que teria recebido 43 denúncias contra o médico. No início de 2020, a operadora rescindiu o contrato de trabalho firmado com o profissional por suposta justa causa.
Foi dentro desse contexto que o médico pediu a instauração de um procedimento arbitral, pleiteando, entre outras medidas, o reconhecimento de que a subsidiária da operadora rescindiu o contrato de parceria de maneira imotivada, além da condenação da empresa ao pagamento da multa contratual. A operadora, por sua vez, requereu o reconhecimento de que a rescisão foi motivada. Instruído o feito, foi proferida sentença arbitral condenando o médico ao pagamento de multa.
Após a sentença arbitral, teriam sido constatados indícios de que o árbitro indicado pela empresa omitiu fatos de extrema importância no questionário de verificação de conflitos, informações que ele tinha o dever legal de revelar, alterando, com isso, a verdade sobre fatos juridicamente relevantes.
De acordo com os advogados do profissional, há indícios da existência de uma relação estreita e duradoura, que perdurou ao longo de vários anos, entre o escritório que representou a empresa na arbitragem e o árbitro por ela indicado, inclusive durante o curso do processo arbitral.
O médico é representado no caso pelo advogado Lucas Akel Filgueiras. “A violação ao dever de revelação nessa arbitragem foi tão absurda que sempre tivemos a certeza de que teríamos uma decisão favorável em algum momento, especialmente porque o que defendemos está em linha com relevantes precedentes do STJ.”
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RCD na TutAntAnt 15
Com informações da Conjur