A partir de agora, nos processos eleitorais são consideradas ilícitas as provas obtidas por meio de gravação ambiental clandestina feita em ambiente privado, sem autorização judicial e sem o conhecimento dos interlocutores.
Essa foi a conclusão do Tribunal Superior Eleitoral, que nesta quinta-feira (7) formou maioria apertada de 4 votos a 3 para alterar a própria jurisprudência sobre o tema. Os casos haviam sido paralisados por pedidos de vista seguidas vezes e foram retomados com leitura de voto-vista do ministro Luís Felipe Salomão.
A corte julgou três recursos provenientes de ações de investigação judicial eleitoral que tiveram como base informações obtidas por meio de gravações feitas contra candidatos, sem o conhecimento dos mesmos. Eles ocorreram nas cidades de São Pedro da Água Branca (MA), Santa Inês (PR) e São José da Safira (MG).
Prevaleceu a posição do ministro Alexandre de Moraes, segundo a qual tais provas são ilícitas porque a privacidade e a intimidade, direitos fundamentais garantidos pela Constituição, devem prevalecer, sob o risco de incentivar essa prática em cenário de disputa acirrada como o eleitoral.
Votaram com o ministro Alexandre, relator dos três casos, os ministros Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell e Carlos Horbach.
Ficaram vencidos por entender como lícita as provas decorrentes de gravação clandestina os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Sérgio Banhos.
Segurança jurídica
Os três casos se referem à eleição municipal de 2016, para a qual a jurisprudência do TSE, formada em 2019, indicava a validade do validade de gravação ambiental como prova de compra de votos. Ela só não seria válida na hipótese do chamado flagrante preparado, quando o interlocutor induz o ilícito.
Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, desde então o TSE julgou 28 casos. Em 22 deles, considerou a prova lícita. Em outros seis, ela foi declarada ilícita, mas por especificidades de cada caso concreto que levaram à corte à conclusão de que houve prática indutiva por quem fez a gravação — como previsto no já citado precedente.
A questão da subversão dessa jurisprudência foi um dos pontos principais da discussão. “Não é possível que, para alguns casos de 2016, a decisão seja uma e, para outros, seja outra”, criticou Barroso.
Foi esse o ponto que levou o ministro Sergio Banhos a votar com a divergência. Particularmente, ele entende que gravação ambiental clandestina é prova ilícita. Mas defendeu que não seria cabível alterar esse entendimento depois de julgar outros casos que ocorreram na mesma eleição de 2016.
A maioria, no entanto, acolheu a posição do ministro Alexandre de Moraes segundo a qual a ilicitude desse tipo de prova é reforçada pela entrada em vigor do pacote “anticrime” (Lei 13.964/2019), que inseriu o artigo 8-A na Lei 9.296/1996 — o diploma que regulamenta a interceptação de comunicações.
O dispositivo fixa que a captação ambiental deve ser feita com autorização judicial mediante requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial. O parágrafo 4º afirma que a captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público só poderá ser usada para defesa, desde que demonstrada a integridade da gravação.
Aplicabilidade imediata
Para Moraes, a aplicabilidade do pacote anticrime é imediata e deve influenciar processos eleitorais. A ideia é que se no mais, que é o caso do detentor de mandato público, a gravação ambiental dependerá de autorização judicial para comprovar prática de crime, no menos — o caso do mero candidato — não faz sentido dispensar a autorização judicial para tanto.
Ao acompanhar o relator, o ministro Salomão defendeu que as nuances e especificidades do processo eleitoral recomendam cautela redobrada quanto à admissão de gravações, pois além de afrontarem direitos fundamentais, representam ameaça à estabilidade do Estado Democrático de Direito.
O ministro Mauro Campbell concordou e destacou o risco de a Justiça Eleitoral se tornar palco de permanente judicialização das eleições, transmutando seu papel em agente de desestabilização das eleições. “O reconhecimento da ilicitude, ao invés de fragilizar atuação dessa Justiça, potencializa seu papel de garantidora de direitos constitucionais de primeira grandeza”, opinou.
Candidato não é réu
Desde o primeiro momento, esse foi o ponto de divergência do ministro Barroso. Nesta quinta-feira, ele admitiu não ter simpatia pelo uso de gravações ambientais, mas ressaltou que segurança jurídica e a isonomia são valores também protegidos constitucionalmente. Assim, a norma do pacote “anticrime” não deve ter aplicabilidade imediata na seara eleitoral.
“Trata-se de norma de natureza processual. Ela não cria ou elimina um tipo penal. Ela regulamenta um meio de prova. Acho que é norma processual que se aplica daqui para frente, mas não à prova produzida preteritamente. Senão, seria uma invalidação superveniente de algo que era considerado licito no momento em que foi produzido”, afirmou quando leu voto-vista, em 2 de setembro.
Também divergiu o ministro Luiz Edson Fachin, ao fazer a distinção da situação da pessoa que pratica crime (cuja situação é abordada no pacote “anticrime”) e a do candidato que pratica ilícito eleitoral. O réu penal não tem qualquer distinção para outros cidadãos. O candidato, sim. No exercício dessa condição jurídica, todos seus atos têm interesse público e devem ser transparentes.
“Não se permite que candidato use de direitos fundamentais como escudo para ocultar a prática de ilícitos eleitorais e torne putativa a realidade presenciada pelo eleitor. Prerrogativas fundamentais devem ser lidas em perspectiva macro, em ordem a não infirmar direitos medulares de igual dimensão, dentre os quais está a liberdade de sufrágio, a igualdade de candidatos e a legitimidade do direito das eleições”, afirmou.
Assim, se a privacidade dos candidatos é relativizada em favor da ampla informação ao eleitor e se a legitimidade das eleições tem como espinha dorsal o controle dos atos e a efetiva responsabilização desses candidatos, não é automaticamente aplicável o artigo 8-A da Lei 9.296/1996.
Em discussão no STF
O tema é controverso e está sendo apreciado pelo STF no RE 1.040.515. Em 2017, a corte reconheceu repercussão geral sobre a necessidade de autorização judicial para tornar uma gravação ambiental apta a instruir ação de impugnação de mandato eletivo (Aime).
O julgamento do recurso extraordinário começou depois do julgamento no TSE. Até agora, o único a votar no caso foi o relator, ministro Dias Toffoli, em junho de 2021. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Toffoli defendeu a ilicitude do meio de prova, pois reveste-se de intenções espúrias e indica a indução ou instigação de um flagrante preparado. A exceção é quando o registro ocorre em lugar público — o que não ocorreu no caso julgado pelo TSE.
O relator ainda propôs que o entendimento seja aplicado a partir das Eleições de 2022, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, ponto ressaltado no voto do ministro Luís Roberto Barroso nesta quinta-feira.
0000293-64.2016.6.16.0095
0000634-06.2016.6.13.0247
0000385-19.2016.6.10.0092
Com informações da Conjur