As provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário são inadmissíveis em qualquer âmbito ou instância decisória. Com base nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou jurisprudência dominante sobre a matéria e negou, por 6 votos a 5, o uso de provas produzidas de forma ilícita em processo administrativo que condenou uma empresa do ramo de gases industriais e medicinais por formação de cartel.
Em Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) interposto no Supremo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) requereu a mitigação, com amparo na “teoria da descoberta inevitável”, de prova decorrente de interceptação telefônica utilizada para demonstrar a existência de um cartel envolvendo empresas do ramo de gases industriais.
As provas em questão foram consideradas ilícitas pelo Superior de Tribunal de Justiça — entendimento posteriormente mantido pela 5ª Turma do Tribunal Regional da 1ª Região, que anulou a condenação imposta pelo Cade à empresa.
Na decisão, o TRF-1 entendeu que não ficou demonstrado que a existência do suposto cartel seria comprovado sem as informações decorrentes das interceptações telefônicas produzidas no âmbito de ação criminal.
“Do contrário, o que se percebe é que os indícios de práticas anticompetitivas que o Cade dispunha não eram suficientes para conduzir a elementos fáticos que alavancassem uma condenação administrativa por infração à ordem econômica”, explicou o TRF-1 na decisão.
O Cade, então, recorreu ao STF. Relator do processo, o ministro Edson Fachin decidiu levar a discussão ao Plenário Virtual durante a semana.
Infrações contra a ordem econômica e relevância
Em sua manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria, o ministro propôs ao colegiado definir se havia ou não “ofensa ao artigo 5º, LVI, do Texto Constitucional, considerando-se o reconhecimento da nulidade das provas consideradas ilícitas no processo penal, as quais foram emprestadas ao processo administrativo no âmbito do Cade”.
Para o relator, não se tratava de discutir sobre a licitude ou não das provas, que já haviam sido reconhecidas como ilícitas na esfera penal, o que afastou a incidência da Súmula 279 do STF. Porém, segundo Fachin, a anulação do processo conferiu relevância ao caso, que envolveu “condutas configuradoras de infrações contra a ordem econômica”.
“Reassentar o óbvio”
O Plenário Virtual reconheceu a repercussão geral. O ministro Gilmar Mendes, contudo, abriu divergência parcial em relação ao voto do relator. Em sua manifestação, o decano votou pela repercussão, mas destacou a necessidade de se reafirmar a jurisprudência dominante sobre o uso de provas consideradas ilícitas.
Na análise de Gilmar, a ratificação da jurisprudência representa, para além da importância doutrinária do assunto, “um gesto explícito do Tribunal em direção ao reconhecimento da centralidade da garantia assegurada pelo art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza, com clareza meridiana, a impossibilidade de emprego de provas ilícitas em desfavor do cidadão, em qualquer âmbito ou instância decisória”.
Nesse sentido, prosseguiu Gilmar, a discussão sobre o tema serve, ao fim e ao cabo, para “reassentar o óbvio” segundo o qual “não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes”.
Já em relação à admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, Gilmar Mendes lembrou que é farta a jurisprudência nesse sentido — desde que, porém, o material tenha sido produzido “de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal”.
Acompanharam o voto do decano os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Nunes Marques e André Mendonça. Ficaram vencidos, além de Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. Assim, prevaleceu a seguinte tese de repercussão geral: “São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário”.
Com informações do Conjur