O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira (30) que decidiu se aposentar em 9 de julho, três dias antes de completar 75 anos, quando teria que deixar o cargo compulsoriamente. Ele disse que tomou a decisão de antecipar a saída para não perder proventos que poderiam não ser oferecidos caso optasse pela aposentadoria compulsória.
“Eu marcharia para a compulsória, mas devemos ter cautela. Cautela, caldo de galinha e canja não fazem mal a ninguém, mas acredito que tenha crédito porque poderia ter me aposentado aos 52 anos de idade”, afirmou.
No final de 2020, Celso de Mello também antecipou sua aposentadoria, abrindo vaga para a primeira indicação de Jair Bolsonaro a uma cadeira no Supremo. O presidente da República indicou o ministro Nunes Marques.
Histórico
Marco Aurélio foi empossado por Fernando Collor de Mello em 1990. Na iniciativa privada, foi chefe do Jurídico dos Conselhos Federal e Regional dos Representantes Comerciais do Rio de Janeiro e Advogado da Federação dos Agentes Autônomos do Comércio da Guanabara.
Integrou o Ministério Público do Trabalho (1975-1978), de onde saiu para o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (1978-1981) e o Tribunal Superior do Trabalho (1981-1990).
Cumpriu três mandatos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando foi presidente da corte também em três oportunidades. Presidiu o STF entre 2001 e 2003.
Em seu discurso de posse, alertou: “numa época em que o tecnicismo exacerbado, a quase obsessiva especialização da s ciências, a danos a impessoalidade das relações econômicas contemporâneas promovem desvirtuamento ímpar de valores, convém a toda a sociedade, sobretudo aos magistrados, restabelecer o enfoque no ser humano”.
Cumprindo essa função, discursou na Comissão de Constituição e Justiça do Senado em agosto de 2001, defendendo a reforma da legislação instrumental, mas chamando a atenção para a necessidade de que o Estado “adote postura exemplar e cumpra, com fidelidade absoluta, sem potencializar o objetivo em detrimento do meio, o que estabelecido nessa mesma legislação e, principalmente, as decisões judiciais”.
Presidência da República
Por conta da presidência do STF, ocupou interinamente a Presidência da República em duas oportunidades, uma das quais sancionou a Lei 10.461, que criou a primeira emissora pública a transmitir ao vivo os julgamentos da corte suprema. Costuma chamar a TV Justiça de “filha”, já que o projeto de criação saiu de seu gabinete.
Rebate a crítica de que a transmissão ao vivo e em cores desacelerou o ritmo dos julgamentos e inflou o ego dos julgadores. “A TV Justiça é publicidade! É levar para a população em geral o que é julgamento e aproximar a justiça da sociedade. É irreversível e dá transparência maior à vida do próprio Supremo”, afirmou em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2020, com lançamento previsto para agosto.
Reconhece a utilidade da instituição do julgamento virtual, mas o define como “o maior mal da jurisdição atual”. Defende que o julgamento seja feito olho no olho, com debates em que os ministros possam se complementar em meio à discussão do conteúdo. Inclusive considera que os julgamentos devem ser cada vez menos permeados por academicismo, como forma de dar celeridade e evitar o elevado número de processos parados nos gabinetes.
Votos e jurisprudência
Costuma brinca que já sabe o título do livro que vai publicar quando deixar o tribunal: Os Votos que Não Proferi. Diz que acumula processos de sua relatoria em que liberou o voto, mas não vê como seu entendimento ganhar publicidade por conta do grande volume da pauta.
Dá como certo que esses casos não serão julgados até sua aposentadoria.
No Plenário, fica constantemente vencido. Muitos de seus entendimentos minoritários com o tempo se transformaram em teses majoritárias, como destacou o ministro Dias Toffoli, ao homenagear o colega.
“Exemplos emblemáticos são a declaração de inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos; a inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel; a inconstitucionalidade da cláusula de barreira; o reconhecimento do instituto da infidelidade partidária e a constitucionalidade da prisão apenas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, citou Toffoli.
Foi dele também a proposta para tentar corrigir distorções no uso de Habeas Corpus, que inundavam as cortes brasileiras — e ainda inundam — em 2012. À época, inaugurou na 1ª Turma a jurisprudência que não conhece de Habeas Corpus impetrado em substituição ao recurso ordinário.
Alegou que a prática configura uma tentativa de saltar instâncias. Se alguma ilegalidade fosse identificada, o HC era concedido de ofício.
Depois, lamentou que a postura tenha levado a um barateamento do HC. Se arrependimento matasse, eu estaria morto”, disse ele em entrevista ao Anuário da Justiça.
“A ótica de se adotar rigor maior na adequação caiu tão a gosto que passaram a apontar; ‘se já transitou em julgado, não Cabe Habeas Corpus’; ‘se a decisão poderia ter sido impugnada, é o caso de ir para o Superior Tribunal de Justiça mediante recurso especial’; ‘se a parte não manejou o Recurso Especial, não cabe HC’. Aí é diminuir muito a importância dessa ação nobre, de envergadura, que está prevista na Constituição, que é o Habeas Corpus.”
Com informações da Conjur