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A segurança jurídica dos contribuintes X os limites da coisa julgada inconstitucional

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No último dia 08/02/2023, o plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento dos temas 881 e 885. Em termos práticos, o STF entendeu que quando determinado contribuinte goza de uma decisão individual e concreta transitada em julgado, reconhecendo a inconstitucionalidade de um tributo, sobrevindo nova decisão do próprio Supremo em sentido contrário, haverá a desconsideração automática da força da coisa julgada do contribuinte – sendo, consequentemente, necessário o recolhimento dos tributos até então considerados inconstitucionais.

A ideia subjacente ao novo entendimento é de que as decisões do Supremo Tribunal Federal tem o efeito de inserir novas normas no ordenamento jurídico, sendo necessária sua observância por todos os contribuintes, sob pena de violação ao princípio da isonomia. Noutras palavras, o STF entendeu ser impossível a manutenção no mundo jurídico de decisão que contrarie a sua posição final sobre determinada interpretação.

Um tópico, contudo, que gerou caloroso debate, disse respeito à possível modulação desse entendimento agora sufragado pelo STF, especialmente para que essa orientação fosse aplicada de forma prospectiva.

Assim, tivesse sido aplicada a modulação, os contribuintes que até hoje detinham decisão judicial passada em julgado só passariam a recolher o tributo devido daqui para a frente. É dizer, não haveria efeito retroativo da deliberação do Supremo Tribunal Federal. Mas não foi o que se viu.

Como o STF não modulou a sua decisão – 6 ministros votaram contra a modulação e 5 a favor -, esse contribuinte poderá ser cobrado pela CSLL não paga (desconsiderando o prazo de decadência para a constituição do crédito tributário e considerando que todos os períodos já estão lançados) desde 1º/12/2007, ou seja, 90 dias após a publicação da ata de julgamento da ADI nº 15, quando o STF considerou em controle concentrado que a CSLL era constitucional e, portanto, deveria ser paga por todas as pessoas jurídicas que praticassem seu fato gerador. O caso concreto julgado tratou da CSLL e a utilizaremos deforma exemplificativa por aqui, mas o efeitos da decisão se irradiam para todos os demais tributos declarados constitucionais ou inconstitucionais pelo STF que contrariam decisões individuais e concretas dos contribuintes.

Considerando que a CSLL corresponde a 9% do lucro líquido de uma pessoa jurídica e tendo em vista que é possível que haja contribuintes que precisariam pagá-la desde 2007,acrescida de multa (75%) e juros (taxa Selic), não é difícil concluir que algumas empresas, que confiaram na coisa julgada de suas decisões – o que se entendia ser o suprassumo da segurança jurídica no país -, saíram com uma conta bilionária a ser paga do dia para anoite.

Sem adentrar na correição ou não da decisão do STF – já que, como asseverara Ruy Barbosa, o papel do STF é tão importante que a ele cabe a prerrogativa de errar por último -, é preciso pensar em soluções que possam mitigar os impactos financeiros por eles ocasionados.

Um ponto que entendemos que não pode ser esquecido é a aplicação da regra contida no art. 100 caput e parágrafo único do Código Tributário Nacional para regulamentar a situação jurídica daqueles contribuintes que confiaram em suas decisões individuais e concretas, transitadas em julgado, e que foram agora surpreendidos.

Isso porque, o inciso primeiro e parágrafo único do referido dispositivo legal é categórico ao afastar a multa, juros e correção monetária nos casos em que contribuintes confiaram em um ato normativo expedido pelas autoridades administrativas: “

A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros demora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.”

As decisões judiciais transitadas em julgado, sem dúvida alguma, são atos normativos individuais e concretos direcionados a um (ou alguns) contribuinte, expedida por uma autoridade judicial, que faz parte da Administração Pública lato senso.

Portanto, não pode haver controvérsias de que a observância pelo contribuinte a uma decisão judicial transitada em julgado em seu favor, deve eximi-lo da responsabilidade de pagar multa e juros sobre os tributos agora considerados devidos. Tendo em conta que só agora foi superada a orientação no sentido de que sua decisão judicial já não produz mais efeitos, a eventual cobrança de tributos (no nosso exemplo, a CSLL) só pode ser realizadasobre o valor do principal devido, sem aplicação de penalidades, juros e correção monetária.

Essa regra prevista na norma tributária não deve ser desconsiderada e representa uma escolha legislativa para manutenção da segurança jurídica possível, mesmo nos casos de alteração da orientação jurisprudencial ou administrativa.

Partindo dessa premissa que impõe a aplicação da regra contida no art. 100 do CTN e tendo em vista os valores bilionários envolvidos, é recomendável, ainda, que outras propostas sejam consideradas pela Administração Pública, sob pena de se levar à bancarrota parte dos contribuintes atingidos por tais decisões.

Nesse contexto é que se destaca uma vez mais o festejado instituto da transação tributária, previsto na Lei nº 13.988/2020.

O caso concreto agora vivenciado pelos contribuintes atingidos pela decisão do STF é o clássico exemplo “de manual” para uma efetiva e exitosa transação “por adesão”, prevista no art. 2º da Lei nº 13.988/2020, sendo necessária a expedição de editais pela PGFN e RFB para mitigar o impacto ocasionado pelo julgamento, permitindo que os contribuintes possam pagar os tributos agora reconhecidamente devidos – mas que não o eram até o julgamento do STF – pelo valor original, parcelados e com a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e outros créditos para amortização de seus débitos.

Essa solução acolhe a regra vinculante do art. 100 caput e parágrafo único do Código Tributário Nacional, evitando, como efeito imediato, que uma disputa sobre o tema seja iniciada e eternize o conflito. Além disso e igualmente importante, pode ser uma eficaz ferramenta para evitar o colapso financeiro de alguns contribuintes, aumentando a arrecadação estatal.

Ignorar a regra expressa no art. 100 do CTN e não prever solução consensual nos termosda Lei nº 13.988/2020, pode dar ensejo à concretização da fábula da galinha dos ovos de ouro, em que o fazendeiro, por ganância, ao abrir o ventre da galinha, encontrou tão somente suas vísceras, não tendo tido paciência por esperar pelos ovos dourados.

Como advertira Mario Quintana, “o passado não reconhece seu lugar, quer estar sempre presente”. Cabe-nos, contudo, diante da teimosia das coisas de outrora, nos socorrermos dos instrumentos jurídicos do agora para que exista um futuro para os contribuintes afetados por essas decisões.

Luiz Gustavo A. S. Bichara e Pedro Teixeira de Siqueira Neto, sócios do Bichara Advogados

Artigo originalmente publicado no Estadão em 10/02/23

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