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Levantamento do MPF alerta para aumento de casos insignificantes que chegam ao STJ e STF

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O princípio da insignificância (também chamado de bagatela) – quando a Justiça deixa de tratar o delito como um crime, em razão da sua baixa relevância material e social, entre outros requisitos – foi analisado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 802 processos em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), somente em 2020. Foram 1.501 manifestações sobre o tema enviadas às cortes superiores do início de janeiro até a segunda-feira (28).

Um homem condenado a 4 anos e 7 meses de reclusão por ter ameaçado e roubado R$ 8 da vítima. Uma mulher condenada a 6 anos e 9 meses de prisão por ter sido flagrada vendendo um grama de maconha. Um homem condenado a 1 ano e 2 meses de reclusão por ter furtado três frascos de desodorante de um supermercado.

Todas essas situações são reais e chamam atenção pela desproporção entre o delito cometido e a pena aplicada. Por isso, o MPF e os tribunais superiores têm considerado a aplicação do princípio da insignificância a ainda mais casos que chegam à Justiça brasileira.

A maioria dos casos refere-se a crimes de furtos simples (228) e qualificados (202). Em seguida, aparecem delitos como contrabando ou descaminho (70), tráfico de drogas e condutas afins (51), crimes do sistema nacional de armas (27), roubo – simples e majorado (27), crimes contra a ordem tributária (9), contra as telecomunicações (9), receptação (9) e crime de moeda falsa e assimilados (9), entre outros tipos penais menos frequentes. Muitas vezes, condenações iniciais são revertidas e o infrator é absolvido depois de anos de tramitação do processo na Justiça.

Foi o que ocorreu em pedidos de habeas corpus analisados pela subprocuradora-geral da República Mônica Nicida, por exemplo. Em um deles, depois de ser condenado em primeira instância a 1 ano e 2 meses de reclusão pelo furto de três frascos de desodorante em um supermercado em Belo Horizonte (MG), em 2014, o réu foi absolvido pelo STJ em abril deste ano. A decisão seguiu parecer do MPF, que defendeu a aplicação do princípio da insignificância, dado o valor inexpressivo dos bens subtraídos, cerca de R$ 24.

O argumento do MPF também foi acolhido pela Corte Superior em um caso de furto de três camisetas, avaliadas em R$ 12 cada, de uma loja em Alto Paraná (PR), em julho de 2015. Inicialmente, o réu foi condenado a 1 ano e 4 meses de reclusão. Passados cinco anos, foi absolvido pelo STJ.

A subprocuradora-geral explica que, como esses, há inúmeros outros casos em que a intervenção do direito penal não se justifica. “Afastar o processo penal e a pena de determinadas condutas que não se revelam lesivas o suficiente, que não apresentam uma periculosidade maior, faz com que todo o sistema de Justiça possa se ocupar mais adequadamente de crimes mais graves, como corrupção, estupros, homicídios e outros”, justifica Nicida.

Condições

Segundo o STF, para haver o reconhecimento da insignificância é preciso cumprir quatro requisitos: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

A partir desses aspectos, o subprocurador-geral da República Domingos Dresch considerou crimes de bagatela os furtos de um botijão de gás; de 5,8kg de carne; de um frasco de perfume usado e um creme; e de esquadrias e fios avaliados em R$ 100. No mesmo sentido, a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen defendeu no STJ a absolvição de uma ré condenada pelo furto de dois kits de desodorantes e dois de shampoo e condicionador.

“É preciso avaliar se vale a pena mover o sistema criminal em situações como essas. Muitas vezes o prejuízo não é consumado, mas existe uma cobrança de resposta da Justiça, até mesmo para evitar que o infrator sofra algum tipo de violência dos próprios comerciantes ou populares. Acontece que nem sempre a ação penal é a melhor resposta. Nesse ponto, vejo os acordos de não persecução como uma boa alternativa”, analisa a subprocuradora-geral.

Subjetividade

Outro tipo penal no qual é frequente o pedido de aplicação do princípio da insignificância é o porte ilegal de munição. Em parecer enviado ao STJ, o subprocurador-geral Domingos Dresch concordou com o pedido apresentado pela defesa de um réu. Segundo os autos, ele foi denunciado por ter sido flagrado, sem autorização, com uma bala calibre 22, crime que prevê pena de 2 a 4 anos de reclusão, além de multa.

Na avaliação do membro do MPF, “as circunstâncias do caso – apreensão de um único projétil, desacompanhado de arma de fogo – autorizam a aplicação do princípio da insignificância para reconhecer a atipicidade material da conduta”.

Por outro lado, a subprocuradora-geral Mônica Nicida afirma que dificilmente sustenta que o crime de porte ilegal de munição ou de arma é insignificante. “A insignificância está ligada ao grau de periculosidade e lesividade da conduta, e o dano causado pelo uso de uma munição ou de uma arma ilegal pode ser enorme”, argumenta.

Para a subprocuradora-geral da República Samantha Dobrowolski, as polêmicas em relação à aplicação do princípio da insignificância decorrem dos próprios requisitos definidos pelo STF, que incluem não apenas as características do fato típico, mas a reprovabilidade da conduta. “São critérios que deixam espaço para considerações de ordem subjetiva, relativas a características do agente daquela conduta, o que pode funcionar como válvula de escape no sistema, mas nem sempre favorece decisões mais justas”, alerta.

Contraponto

O subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino ressalta que a aplicação do princípio da insignificância deve ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais.

“Quando a contumácia delitiva é patente, não há como deixar de reconhecer o elevado grau de reprovabilidade do comportamento do acusado, bem como a efetiva periculosidade ao bem jurídico que se almeja proteger”, afirmou o membro do MPF, ao se manifestar em recurso especial apresentado pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte contra a absolvição de réus presos em flagrante depois de roubar bebidas e chocolates em uma loja de conveniência e em um quiosque localizados na orla de Ponta Negra, em Natal (RN).

Perspectivas

Membros do MPF afirmam que há uma disputa em torno do posicionamento jurisprudencial no âmbito do STJ acerca dos critérios para aplicação do princípio da insignificância. Nesse contexto, um dos indicadores adotados pela Corte tem sido o valor da lesão patrimonial decorrente do crime, tendo sido fixado como parâmetro a décima parte do salário mínimo vigente à época da infração penal.

Alinhada à corrente que defende a intervenção mínima e subsidiária do direito penal, a subprocuradora-geral Samantha Dobrowolski afirma que o tratamento mais adequado ao princípio da insignificância é sua análise objetiva. “Em um país de dimensões continentais e marcado por profundas desigualdades sociais, esse espaço de discricionariedade exacerbada acaba por produzir decisões díspares, que conferem tratamento jurídico-penal distinto a situações muito semelhantes, senão iguais”, pondera.

Na visão dos membros do MPF, utilizado de forma adequada e criteriosa, o instrumento é uma alternativa para diminuir a sobrecarga do sistema de Justiça, que poderá concentrar esforços na investigação e persecução de ilícitos mais complexos e danosos.

Com informações do MPF

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