Sem constatar irregularidades no modelo de fretamento colaborativo, a 10ª Vara Cível de Vitória (TJ-ES) derrubou um bloqueio judicial de R$ 45,3 milhões aplicado à plataforma Buser e revogou uma decisão que havia aumentado uma multa de R$ 80 mil para R$ 100 mil.
A penhora online havia sido determinada em dezembro do último ano. O estado do Espírito Santo contava com decisões contrárias à divulgação, comercialização e promoção de viagens pela Buser e suas parceiras, mas a nova sentença reconheceu a legalidade das operações.
O caso
Na ação, a empresa de transporte rodoviário Viação Águia Branca — uma das principais opositoras da Buser nos tribunais — alegava que a plataforma e duas empresas parceiras estariam operando em linhas de sua titularidade, sem autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Por meio do aplicativo da Buser, as empresas de fretamento estariam vendendo passagens individuais para os mesmos trajetos, dias e horários que a Águia Branca, com predeterminação dos locais de saída e chegada dos ônibus. Ou seja, as rés estariam operando transporte coletivo de forma clandestina, e assim causando prejuízo econômico à autora.
Em sua defesa, a Buser afirmou atuar somente na intermediação para contratação de viagens coletivas por fretamento colaborativo. Segundo a plataforma, as viagens só acontecem se for confirmado um grupo e se o rateio for pago pelos interessados. Portanto, não há garantia de que ocorrerão.
Atividade regular
O juiz Marcelo Pimentel observou que a Buser oferece aos seus usuários seguro de acidente pessoal. Além disso, a plataforma apresentou documento que comprova a autorização da ANTT para a prestação de seus serviços.
O magistrado ressaltou que tanto a autora quanto a ré operam sob o regime de autorização. Isso não garantiria exclusividade a nenhuma das partes para operar nas linhas em questão. Ou seja, é possível oferecer as viagens, com liberdade de preços e tarifas, em um ambiente de competição.
Ele ainda confirmou que a Buser somente intermedia a conexão entre passageiros interessados no transporte rodoviário com as empresas parceiras. Dessa forma, os serviços de viagens prestados pelas rés não são regulares, e sim sob demanda. Mas a intermediação “não pode ser confundida com a prestação do serviço em si”, pois ele fica a cargo das empresas contratadas.
“Assumir que as autoras não podem fazer fretamento diário e ‘regular’ para um destino de alta demanda, seria o mesmo que corroborar com a tese de que as empresas demandadas e fretadoras de viagens interestaduais não podem ter um grande volume de clientes e usuários de seus serviços”, assinalou Pimentel. Para ele, “este posicionamento é contraproducente, pois nega o objetivo de desenvolvimento econômico necessário a qualquer modalidade de negócio”.
Circuito fechado
O Decreto 2.521/1998 e a Resolução 4.777/2015 da ANTT determinam que as viagens por fretamento sempre devem ocorrer com o mesmo grupo de pessoas nos trajetos de ida e volta. É o chamado circuito fechado.
O juiz considerou que tal regra seria abusiva. Segundo ele, ao transportar passageiros diferentes na ida e na volta, uma empresa não estaria descumprindo o circuito fechado, mas apenas “atendendo aos seus objetivos empresariais e a demanda de serviços por ela oferecidos”.
De acordo com Pimentel, a regra cria uma obrigação não só para a fretadora, mas também para os consumidores. Isso violaria a autonomia e a liberdade de locomoção dos usuários.
Além disso, para o magistrado, a norma cria reserva de mercado, com privilégios exclusivos às empresas de transporte regular de passageiros; impede novos negócios e tecnologias, como a Buser; e contraria a Política Federal de Estímulo ao Transporte Rodoviário de Passageiros, que exige apenas os requisitos de segurança para a prestação de serviços de transporte.
Incoerência
Por fim, o juiz observou que a Águia Branca possui dois aplicativos. Um deles, chamado Squad, é um serviço de compartilhamento de veículo, no qual é possível criar uma viagem ou buscar por outros pré-estabelecidas, com necessidade mínima de passageiros.
Na visão de Pimentel, o oferecimento de tais viagens não deixa de caracterizar um fretamento colaborativo. Ou seja, a autora vende passagens na mesma modalidade que a Buser.
Já o outro aplicativo, chamado Águiaflex, permite que os passageiros escolham a origem e o destino da viagem e adquiram passagens interestaduais só de ida, com locais pré-estabelecidos de embarque e desembarque, até mesmo em horários que coincidem com os regulares, operados pela própria Águia Branca. Porém, nem todas as ligações do app possuem fluxo de saídas diárias.
A autora alegou que seria um serviço de transporte regular. Mas, de acordo com o magistrado, ele deveria obedecer às normas da ANTT. Portanto, a venda de passagens deveria ocorrer em pontos físicos. Além disso, o site da Águiaflex não menciona a concessão de gratuidades e descontos, que são exigidos por lei.
Pimentel afirmou que os serviços dos aplicativos seriam iguais ao de uma startup, “já que utilizam somente a internet como plataforma para comercialização das viagens e para a formação dos grupos de passageiros”.
Mesmo assim, a Águia Branca usa terminais rodoviários e pontes de vendas físicos, o que lhe traz certa vantagem em relação aos serviços de fretamento. “Deste modo, os serviços prestados pela Buser não ocasionam nenhuma concorrência desleal”, concluiu.
Defesa
“A decisão reforça a ideia de que a inovação é o futuro. Mais uma vez, a Justiça reconhece que o modelo de negócio da Buser é tendência e está dentro da legalidade”, afirmou o escritório De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados, que atua pela Buser em âmbito nacional.
Já para a banca Gama Barreto, Maioli e Zumak Advogados Associados, que atuou no caso do Espírito Santo, a decisão mostra o Judiciário em favor da inovação e da livre iniciativa. “O circuito fechado é o principal empecilho para a atividade do fretamento colaborativo hoje. Com a jurisprudência favorável ao transporte por app e contrária a essa regra anacrônica, ganha a liberdade de mercado, ganha a inovação”, manifestou o escritório.
Guerra jurídica
Nos últimos anos, o serviço de fretamento colaborativo da Buser vem sendo objeto de disputas judiciais em todo o país. Há decisões contrárias à plataforma em vários estados, como Bahia, Ceará, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, além do Distrito Federal.
Por outro lado, a Buser concentra um volume maior de decisões favoráveis em alguns dos estados mais populosos do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Algumas decisões se referem a todo o serviço de fretamento, enquanto outras discutem apenas a regra do circuito fechado.
A Buser classifica tal norma como ultrapassada, anacrônica, protecionista e anticoncorrencial. Também lembra que o circuito aberto é defendido pelos Ministérios da Economia e do Turismo.
Com informações da Conjur