Embora o ato de gravar abordagens policiais seja em si lícito para eventual resguardo e defesa do interlocutor, sua divulgação na imprensa não pode ser feita de forma unilateral, já que a imagem é direito de personalidade constitucionalmente protegido, ainda mais diante do evidente conteúdo vexatório.
Esse é um dos fundamentos da decisão do juiz leigo Nicolas Fassbinder, do 6º Juizado Especial Cível de Curitiba, que condenou um policial militar a indenizar um homem que proferiu dizeres racistas contra o agente de segurança. Por isso, o PM acionou a Justiça, pedindo indenização por danos morais. Há também um processo criminal em curso.
No caso, o homem estava aparentemente alcoolizado e havia se envolvido numa discussão com um vizinho com quem nutria antiga desavença. Ambos foram chamados para acompanhar os policiais até a delegacia.
Na ação de indenização por racismo, o PM sustenta que o reclamado teria se negado a ir à delegacia e tentou fugir. Foi contido e recebeu voz de prisão. O agente de segurança afirma que não cometeu nenhum excesso ou ilegalidade e que durante a ocorrência foi chamado de “neguinho” e “negrinho de merda”. As declarações foram gravadas pelo próprio policial e acabaram sendo veiculadas pela imprensa local.
Na contestação, o requerido afirmou que tinha problemas com o vizinho por conta de seu hábito de promover festas com som alto e que, na noite da confusão, retornava de um bar sob efeito de álcool. Teria abordado o vizinho para “tirar satisfações”, mas que o desentendimento entre ambos não passou de agressões verbais e um empurrão.
Sobre a acusação de racismo, o homem diz que informou os policiais que precisava entrar em casa para vestir uma camiseta, pegar seus documentos e fechar o portão para impedir que seus cachorros fugissem. Isso, conforme a sua versão, teria sido negado pelos policiais militares, que teriam invadido a sua casa e o agredido.
Ele ainda afirma que o autor da ação foi “irônico” e “debochado” desde o começo da abordagem e que por isso passou a devolver as ofensas que recebia. O réu alega que o PM agia de modo diferente diante da câmera e que não disponibilizou toda a gravação para as redes de TV. Por fim, afirma que foi agredido e que sentiu dores por dois meses.
Inicialmente, o juiz constata que as gravações realmente mostram o réu — bêbado, algemado, sem camisa e descalço — xingando o autor. “Todavia, não se pode ignorar o fato de que não há uma continuidade nas gravações. São trechos entrecortados, parciais (e por isso, evidentemente, selecionados por quem os produziu — no caso, o autor) e não permitem extrair com exatidão o contexto que levou o réu a proferir tais declarações”, escreveu o julgador na decisão.
Ele lembra que o homem disse ao PM frases como: “eu te respeito mais do você pensa” e “eu não me importo com a tua cor”. O julgado entendeu que o dolo do requerido não era ofender a honra do autor por sua cor, mas de chamar a sua atenção para a situação, a seu ver injusta. “Após usar o vocativo ‘negrinho’, seguia sua fala com pedidos de voltar para casa ou sair dali (daquela situação em que se encontrava algemado e filmado contra a sua vontade). Portanto, mesmo nessas filmagens parciais e selecionadas pelo autor, possível extrair que o réu deixou claro não se importar com a cor da pele do autor”, pontuou.
Para o juiz, o dano que o PM causou ao réu é inquestionável. “A prova do processo não deixa dúvida que só se cogitou de injúria racial (equivocadamente, diga-se, como já exposto) após a retirada do réu de sua residência, da qual ele já saiu algemado por um suposto crime de vias de fato que há controvérsias tenha ocorrido. E nem se justificaria a prisão por crime de menor potencial ofensivo”, sustenta.
Por fim, o julgador condena o uso de algemas, já que, por estar aparentemente embriagado, o homem não poderia oferecer resistência expressiva contra dois policiais maiores do que ele. O juiz também aponta que a abordagem foi violenta e desproporcional. Diante desses pontos, decidiu julgar improcedente o pedido de indenização por racismo e condenou o PM a indenizar o reclamado em R$ 1 mil.
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0017275-79.2020.8.16.0182
Fonte: Conjur