O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou ação contra o que define “manipulação da jurisprudência” pela Uber no Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG). Segundo os procuradores, a empresa chega a negociar acordos em casos em que ganhou em primeira instância, depois do reclamante apresentar recurso e o caso cair em uma turma favorável ao vínculo de emprego do motorista com a plataforma.
Apesar de ser uma estratégia recorrente no mundo do direito, é a primeira ação civil pública do MPT indicando prática similar a de “litigância predatória” por parte da Uber. A primeira audiência será no dia 24 deste mês. A Uber diz que as acusações são infundadas. O MPT, no entanto, registra que a prática da plataforma já foi identificada até no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A Uber propôs acordo em um processo com decisão favorável de segunda instância. A ideia, segundo o MPT, evitar que a causa fosse julgada oferecendo risco de gerar jurisprudência que pudesse favorecer um número maior de motoristas que acionam a Uber na Justiça do Trabalho.
Na corte, o caso tramita na 3ª Turma que decidiu seguir o julgamento. No momento, a discussão está suspensa por um pedido de vista, após o voto do relator, o ministro Mauricio Godinho, que reconheceu vínculo empregatício.
Na ação, o MPT evidencia que a plataforma não faz acordo em todos os processos. Nos casos em que as turmas têm decidido por não reconhecer a relação de emprego, a empresa deixa chegar ao julgamento.
Isso, segundo o MPT, acaba oferecendo para o jurídico da empresa uma jurisprudência aparentemente uniforme a seu favor e que é utilizada em suas defesas.
“A partir do momento que se manipula a jurisprudência em um determinado sentido, vira um círculo vicioso que vai se retroalimentando”, afirma o procurador Renan Bernardi Kalil.
De acordo com ele, que integra a Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, as vezes o juiz de primeira instância não tem familiaridade com o assunto e o argumento da Uber de que tem jurisprudência favorável majoritária o pode influenciar.
O MPT registra que até julho de 2022, 3.867 ações com pedidos de reconhecimento da relação de emprego foram propostas no país. Destas, 45,51% do total (1.760) foram em Minas Gerais.
Em 2020, a 11ª Turma do TRT-MG não homologou um dos acordos propostos pela Uber porque, sob parecer do MPT, o desembargador Antônio Gomes de Vasconcelos, entendeu que a empresa buscava evitar decisões futuras que reconheçam a existência de vínculo de emprego entre as partes.
O QUE DIZ A UBER
A JuriNews recebeu uma nota da Uber sobre o caso. Segue abaixo na íntegra:
“A Uber teve acesso à ação do Ministério Público do Trabalho, que já supera 20 mil páginas, na data de ontem (3/7), e não confirma nenhum dos dados incluídos na peça por desconhecer a origem dos números e a metodologia dos cálculos. A empresa irá apresentar defesa no prazo legal, embora considere que a ação careça de fundamentação mínima para ser acolhida pela Justiça.
A Uber esclarece que não faz “uso indevido da jurimetria” para tentar “manipular a formação de jurisprudência” sobre a natureza da relação entre a empresa e motoristas que usam seu aplicativo no Brasil. Além de irreais, afirmações como essas pressupõem descrença na imparcialidade de milhares de magistrados trabalhistas do país, e deveriam ser encaradas como desrespeito à independência do Poder Judiciário, especialmente do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.
A tese de que a Uber teria capacidade para influenciar sozinha a jurisprudência, em qualquer sentido, não se sustenta quando confrontada com a realidade dos fatos. A ação do MPT, além de citar práticas processuais que não podem ser atribuídas à Uber (acordos em sigilo, “a qualquer preço”, lides simuladas, acordos antes de primeira audiência, acordos com todos os trabalhadores etc.), se vale de alguns supostos casos, de praticamente um único Tribunal Regional, nos quais houve tentativa de conciliação por concordância mútua das partes, ignorando completamente que a maioria absoluta dos milhares de processos envolvendo a Uber no Brasil são concluídos com o julgamento de mérito.
O próprio fato de existirem decisões desfavoráveis (às quais a empresa apresenta os recursos pertinentes), em mais de uma instância e em diferentes tribunais do país, é prova de que a Uber não tem como política a celebração de acordos para evitar decisões judiciais. A Uber confia plenamente na competência e na qualidade técnica de seus advogados, mas eles não dispõem de bola de cristal ou outros recursos capazes de adivinhar o futuro, ou seja, saber de antemão qual será a decisão de determinado magistrado.
Lamentamos a tentativa do Ministério Público do Trabalho de criminalizar iniciativas de solução consensual de litígios, que propõe após ter sua tese derrotada em todas as ações concluídas que propôs contra plataformas digitais. A ação proposta reforça a existência de uma verdadeira perseguição praticada pela instituição contra um setor econômico específico.
Nesse contexto, é importante lembrar que a preferência pela conciliação é um dos pilares da Justiça do Trabalho, que estimula ativamente a celebração de acordos pelas empresas – segundo o CNJ, 21% dos processos trabalhistas são resolvidos dessa forma, o maior índice entre todos os segmentos do Judiciário. A conciliação também integra a Estratégia Nacional do Poder Judiciário, que fomenta a resolução negociada de conflitos em todas as fases do processo e em todas as instâncias, visando a economia e a redução do estoque nos tribunais.
O próprio Tribunal de Minas Gerais, onde o MPT ajuizou a ação, tem o 2º maior índice de conciliação entre os tribunais trabalhistas do país e afirma que o recurso é um “instrumento efetivo de solução e prevenção de litígios, reduzindo a excessiva judicialização, a quantidade de recursos e de execução de sentenças”.
Jurisprudência
Ao contrário do que defende o MPT, nos últimos anos as diversas instâncias da Justiça brasileira, de maneira independente, foram formando jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e seus parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais concomitantes para a existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, mais de 4.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho já afastaram o reconhecimento da relação de emprego, além de oito decisões no TST e de julgamentos tanto no STJ como no STF no mesmo sentido.
Embora a ampla maioria de decisões reafirmem a inexistência de vínculo empregatício de motoristas com a empresa, a Uber participa de Semanas de Conciliação promovidas pela Justiça do Trabalho e também atende convites para audiências nos Cejuscs (Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas) dos Tribunais Regionais do Trabalho.
Assim como outras empresas que lidam com causas trabalhistas, a Uber considera uma série de fatores na análise do cabimento de uma tentativa de conciliação, feita processo a processo, como os valores envolvidos na causa, as custas processuais para apresentar recurso, honorários advocatícios, entre outros.
Nas ocasiões em que a empresa e o motorista, amparados por seus advogados, celebram acordos que atendam ambas as partes, o procedimento é sempre realizado sob observação da Justiça e com a homologação dos juízes e desembargadores responsáveis. Não há nenhuma ilegalidade em qualquer eventual acordo judicial firmado.”
Com informações do Extra Classe