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Discriminação religiosa motiva ações por assédio moral na Justiça do Trabalho

Foto: Divulgação/OAB-AL
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jurinews.com.br

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Combinados, o assédio moral e a discriminação religiosa ensejaram milhares de condenações por danos morais em todo o país. Segundo levantamento da Data Lawyer, empresa especializada em tecnologia jurídica, o volume total de processos envolvendo esse tipo de ofensa somou 21.707 de setembro de 2019 até o mesmo mês de 2022. Ao longo desse período de três anos, o valor integralizado dessas causas perfaz R$ 4,81 bilhões.

A pesquisa foi realizada a pedido do JOTA a partir das palavras-chave “assédio moral religioso”; “assédio moral” e “religião”; “liberdade religiosa”; “discriminação” e “religião”. A função da conjunção “e” é buscar pelos dois termos apontados. O levantamento considerou documentos contidos em processos não sigilosos e com ao menos uma publicação em Diário.

O assédio moral é reconhecido quando há uma situação de constrangimento no ambiente de trabalho que resulte em dano à personalidade da pessoa. A procuradora Adriane Reis de Araujo, coordenadora de promoção da igualdade do Ministério Público do Trabalho (MPT), explicou que essa conduta pode acontecer em um único ato ou de maneira repetida, sequencialmente, conforme a descreve a Convenção 190 da OIT.

Existem três aspectos que costumam aparecer em situações de dano moral no ambiente de trabalho. O primeiro e mais comum é o psicológico, o qual vem geralmente acompanhado do dano patrimonial, como em casos de demissão motivada por ofensa. O terceiro e menos comum é o físico, um suicídio, por exemplo. Embora apartados aos olhos da lei, eles comumente caminham de mãos dadas.

No caso do assédio moral religioso, o constrangimento e a humilhação têm por base um motivo de religião. Ele normalmente se origina em uma discriminação de determinados grupos nos espaços da empresa em razão da fé. O ofensor não apenas identifica uma crença com a qual não compactua, mas adota ações e práticas depreciativas em relação à pessoa que a detém, diferentemente do tratamento conferido a outros.

“Nem toda discriminação religiosa resulta necessariamente em uma situação de assédio moral,” afirmou Araujo. Mas, “de modo geral, o assédio moral religioso tem como plano de fundo uma situação de discriminação religiosa.”

Foi com uma situação dessas que se deparou o juiz Pedro Rogério dos Santos, da 3ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul. O caso dizia respeito a uma trabalhadora que sofreu um tratamento vexatório por sua supervisora, sendo constantemente ofendida por adotar como crença o candomblé (religião de matriz africada que cultua orixás). Segundo a autora da ação, sua superior fazia insinuações de que era “macumbeira” e, quando passava pela mesa da funcionária, bradava: “chuta que é macumba”, “pisa na cabeça dessa serpente”, “tá amarrado esse satanás”, “tá amarrado em nome de Jesus”.

Uma testemunha confirmou o tratamento humilhante e relatou que pessoas que se sentavam próxima à mesa da trabalhadora riam e também entravam na onda. Sentindo-se ofendida e ridicularizada, a mulher recorreu a outras supervisoras, mas a solução não veio. O que veio foi o direito a uma indenização por danos morais no importe de R$ 15 mil por determinação da Justiça.

O estado de São Paulo é onde se concentra a maior quantidade de processos ativos sobre assédio moral religioso. Foram 7.020 ao longo de três anos, conforme o levantamento da Data Lawyer. Ele é seguido de Paraná (1.616), Minas Gerais (1.530), Rio Grande do Sul (1.488), Rio de Janeiro (1.020). Pernambuco, Santa Catarina, Bahia, Espírito Santo e o Distrito Federal têm, cada um, menos de mil processos ativos.

No Paraná, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9) manteve uma condenação ao pagamento de R$ 20 mil a uma mulher demitida por se recusar a vestir uma camiseta com a expressão “princípios judaicos cristãos”. Uma testemunha declarou que o uso era obrigatório e que um dos gestores ameaçou a demissão, em reunião, pelo fato de não seguir a mesma “religião que a empresa”. Outros funcionários também foram dispensados pelo mesmo motivo.

Os desembargadores da 5ª Turma da Corte Trabalhista consideraram, por unanimidade de votos, que restou comprovada a coação no que refere à religião, em desrespeito ao artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, segundo o qual “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

A maioria dos processos envolvendo assédio moral por motivo de religião no Brasil de setembro de 2019 a 15 de setembro de 2022 ainda estão pendentes de julgamento (42,70%). Nesse período, a procedência parcial foi o principal desfecho (24,95%), seguida da improcedência (10,91%) e da procedência (3,20%). Acordos representaram 15,87%.

Discriminação religiosa na esfera internacional

De acordo com Estêvão Mallet, livre-docente pela FDUSP e sócio-fundador do Mallet Advogados Associados, os princípios gerais adotados por tribunais no exterior, onde casos envolvendo religião são estudados a mais tempo, estão próximos dos observados no Brasil. As soluções também costumam ser as mesmas: não admitir o critério religioso como fator de diferenciação.

Há, entretanto, uma sutileza — o empregador de tendência. A figura se refere a uma organização com um vínculo profundo com o fator de diferenciação. O advogado relembrou um caso paradigmático nos Estados Unidos, onde um tribunal julgou uma ação sobre uma igreja protestante que desejava contratar um organista (músico que toca o órgão) e argumentava em favor da necessidade de ele compartilhar a mesma crença protestante. Como poderia um ateu ou um adepto de outra religião incorporar o espírito da cerimônia?

O tribunal entendeu ser preciso diferenciar uma função intimamente ligada à crença de outra em que isso não seria tão relevante. “Se eu for contra um padre, um pastor, diria que talvez o critério religioso seja importante. Agora, se eu for contratar o motorista do padre, faz algum sentido exigência do critério religioso? Não. O problema todo era saber se o novo organista entrava na primeira categoria ou na segunda,” explicou Mallet.

Ao final do processo, a Corte considerou que o organista não precisava de adesão à crença e declarou ilegítima a discriminação baseada na religião.

Responsabilidade das organizações

A relação de trabalho é uma relação de poder, na qual o empregador pode mandar e desmandar. Essa autoridade, contudo, não é ilimitada e esbarra nos próprios direitos da pessoa humana. A empresa tem a obrigação de garantir que os funcionários possam exercer suas funções sem deixar de ser quem eles são, segundo argumentou Giovanni Falcetta.

Para o especialista em compliance, é importante a criação de códigos de conduta. Contudo, cabe à alta direção da empresa liderar pelo exemplo, fazer campanhas de conscientização que mostrem a necessidade de ambiente saudável, assim como deixar claro que a discriminação religiosa e o assédio não serão admitidos.

Há um sistema integrado no compliance em que se sai da prevenção para a detecção e para a resposta. Prevenir é geralmente a melhor estratégia, mas, quando ela não dá certo, é necessário identificar o problema. Isso pode aparecer no canal de denúncias ou métodos mais sofisticados como a pesquisa de clima e a análise do sistema de integridade e da cultura corporativa.

Entendendo os fatos, a organização deve passar para a aplicação concreta de penalidades, a fim de coibir esse tipo prática. Elas podem variar desde uma advertência verbal ou escrita até, algo mais severo, como o extermínio da relação de trabalho.

“A responsabilidade das empresas é não tolerar a discriminação. No fundo, de maneira ampla, é isso. Fazer com que todo mundo se sinta acolhido pelo que é. Você não precise esconder o seu sentimento ou a sua religiosidade,” sintetizou Falcetta.

Os processos citados nesta reportagem, na ordem que aparecem, têm os números 1001580-73.2021.5.02.0473 (TRT-2), 0000943-70.2019.5.09.0003 (TRT-9) e 18-2844 (United States Court of Appeals For the Seventh Circuit).

Com informações do Jota

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