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Veto à emenda da inicial ameaça bitolar ação de improbidade administrativa

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Na opinião de juízes, membros do Ministério Público, advogados e doutrinadores, a rigidez que o Congresso Nacional impôs à imputação de improbidade administrativa cria dificuldades exageradas para o combate a esse tipo de ilícito.

A ação de improbidade, que no passado foi usada de forma excessiva e, não raro, para atender a interesses políticos, hoje tem tramitação menos flexível do que a do processo penal, em tese a ultima ratio e merecedora das maiores garantias em favor do acusado.

Alterada pela Lei 14.230/2021, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) determina que, recebida a petição inicial e feita a contestação, o juiz deve indicar com precisão a tipificação do ato de improbidade.

É vedado ao julgador modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor. Essa regra está no artigo 17, parágrafo 10-C, da LIA. Mais abaixo, o parágrafo 10-F, inciso I, reforça que será nula a decisão que condenar por tipo diverso daquele estabelecido na petição inicial.

Essa rigidez representa um desafio na ação de improbidade administrativa porque o acusado, assim como nos processos penais, defende-se dos fatos que lhe são imputados, e não dos tipos contidos na LIA.

No processo penal, é possível que o juiz atribua definição jurídica diversa daquela indicada na inicial, desde que não mude a descrição dos fatos. Isso é permitido mesmo que represente um potencial aumento da pena.

A regra está no artigo 383 do Código de Processo Penal, em procedimento que é chamado de emendatio libelli. O artigo 384 vai além e admite até a inclusão de novos fatos ou circunstâncias, desde que descobertos durante a instrução.

Nesse caso, o MP precisa aditar a denúncia e o juiz deve reabrir o contraditório. A esse procedimento se dá o nome de mutatio libelli. A dúvida que fica é a seguinte: se até no processo penal isso é possível, por que o veto em ações de alta complexidade como a de improbidade?

A questão foi levantada pelo juiz auxiliar do Superior Tribunal de Justiça Fernando Gajardoni, durante o Congresso Brasileiro de Improbidade Administrativa, organizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) na sede do Conselho da Justiça Federal, em 23 e 24 de novembro.

Ele pontuou que não é incomum que, durante a instrução da ação de improbidade, surjam elementares novas para o ilícito. O ato continua ímprobo, apenas mais ou menos grave, a depender dos contornos atualizados da causa.

Assim, a aplicação literal do trecho da Nova LIA que impede a emenda à inicial acaba por bitolar a sentença. As informações do autor serviriam para estabelecer a distância entre os trilhos sobre os quais correria a persecução cível, uma medida que não poderia ser alterada.

“O receio ao não se permitir a emendatio libelli é criar um sistema desigual, em que o mais grave tem possibilidade de fazer isso e o menos, não. E fomentar a impunidade. Não querem deixar recapitular a inicial para obter a prescrição. Ninguém é inocente para não acreditar nisso. Nessa temática, é preciso uma interpretação mais maleável”, disse Gajardoni.

O desembargador Edilson Vitorelli, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), também pediu uma leitura razoável desses dispositivos. Ele concorda que narrar uma coisa na inicial e sentenciar por outra seria desaconselhável, mas faz um aviso:

“Não podemos transformar a ação de improbidade numa espécie de jogo em que, se você mexeu a peça para cá e capitulou errado, perdeu. Se capitulou errado, basta reabrir o contraditório, retomar a prescrição. Não dá para fazer uma análise como se fosse uma espécie de cassino judicial em que caiu a bolinha, perdeu”.

A mudança feita na lei pode ser explicada pelo modo como a improbidade administrativa era tratada até a reforma. O artigo 11 da LIA definia como ilícito o ato ou omissão que atentasse contra os princípios da administração pública de forma genérica.

“Todas, absolutamente todas as ações de improbidade do Ministério Público apontavam o artigo 11 na inicial. Era impossível não pegar nada”, relatou o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, ex-membro do MP, que abordou as mudanças legislativas na palestra de abertura do evento.

Antônio do Passo Cabral pediu reflexão sobre fato de ação penal ser mais flexível
A nova redação da lei exige especificação. O autor precisa apontar qual das condutas listadas nos incisos do artigo 11 foram praticadas. Também cabe imputação pelo artigo 9 (ato doloso que importe em enriquecimento ilícito) e pelo artigo 10 (ato doloso que gere prejuízo ao erário).

Para o advogado Guilherme Pupe, os artigos que “blindam” a inicial cumprem uma função específica: evitam o que acontecia antes da reforma, no sentido de se atirar para todo lado, trazendo todos os tipos ímprobos para ver qual deles colaria para o sancionamento.

Ele avalia que não haveria problema em permitir ao juiz a emendatio libelli, exceto quando houvesse uma distinção efetiva entre os atos ímprobos. “Se ele não pode julgar com base em tipo diverso, não seria possível permitir a emenda da inicial.”

O advogado Fábio Medina Osorio foi outro a apontar que, antes da reforma, o MP tinha como técnica acusatória o overcharging — uma conduta que gera vários tipos cumulativos. Em sua opinião, no entanto, permitir a emenda da inicial é “uma necessidade, para correção do tipo sancionador aplicável”.

Bitolada, a ação de improbidade administrativa faz do processo penal acusatório, que sempre foi imaginado como o local para os extremos das garantias, diante do valor da liberdade em discussão, algo mais flexível para o órgão acusador.

O procurador da República Antônio do Passo Cabral destacou que os mesmos fatos podem ser alvos de ação penal e de improbidade. A primeira poderá ter uma condenação mais fácil, enquanto a segunda dependerá de um tortuoso procedimento. “Precisamos refletir: será que isso faz sentido no nosso sistema?”.

A subprocuradora da República Samantha Chantal fez coro às críticas ao dizer que a Nova LIA aproximou demais a ação de improbidade do processo penal, mas apenas nas questões que beneficiam a defesa. O veto à emendatio libelli é a prova disso.

“Ela exige do juiz um grau muito elevado de justificação de todo e qualquer ato decisório, de maneira irracional em relação ao sistema e incoerente em relação ao processo civil, mesmo se tratando de uma ação de caráter punitivo.”

Com informações da Conjur

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