A pessoa jurídica é sujeito de direitos, capaz de expressar sua vontade de forma destacada e autônoma em relação à vontade das pessoas naturais que a compõem. Com base nesse entendimento, a 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou pedido de um ex-funcionário do governo do estado para trancar uma ação penal em que foi acusado por crimes de lavagem de dinheiro.
O argumento foi de nulidade no acordo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público e a empresa Construção e Comércio Camargo Corrêa, que embasou a denúncia. Porém, em votação unânime, a turma julgadora afastou a possibilidade de ilegalidades no acordo.
“O trancamento da ação penal só tem lugar quando a falta de justa causa é patente, ou seja, quando a ilegalidade é constatada pela simples exposição dos fatos, e esse, a meu aviso, não é o caso dos autos, seja porque já reconhecida a existência de lastro probatório mínimo para a ação penal, bem como porque o acordo guerreado já foi devidamente homologado pelo juízo a quo, tendo sido reconhecida a sua regularidade e legalidade”, disse o relator, desembargador Sérgio Coelho.
Portanto, para o trancamento da ação penal, o magistrado afirmou ser necessária a “ilegalidade manifesta do acordo impugnado”, perceptível de plano e baseada em contundente prova pré-constituída, o que não ocorreu no caso em questão. A conclusão do relator foi de que não há constrangimento ilegal aos réus da ação penal.
“Não há qualquer ilegalidade na instauração de procedimento investigativo criminal com base em acordo de colaboração premiada, cujos termos, à luz da legislação vigente à época (outubro/2017), apenas não poderiam ser invocados como fundamento exclusivo da sentença condenatória, não sendo vedada, portanto, a iniciativa de investigação baseada em tal negócio. Esse panorama, aliás, não se modificou após o advento da Lei 13.964/2019”, completou.
Acordo válido
O magistrado afirmou não haver vedação legal à celebração de acordo de colaboração premiada por pessoa jurídica: “Quisesse o legislador proibir tal situação o teria feito expressamente e, se não o fez, é porque o permitiu, certamente porque ciente de que em crimes deste jaez, que envolvem complexas organizações criminosas e a lavagem de grandes montas de dinheiro, é altamente usual o envolvimento de pessoas jurídicas, que têm papel de relevo nas empreitadas criminosas”.
De acordo com Coelho, o envolvimento da Camargo Corrêa em fato ilícitos abordados na denúncia em questão confere legitimidade à empresa para figurar no acordo de colaboração, já que possui informações relevantes sobre os delitos e a estrutura da suposta organização criminosa.
“Afora isso, seria desarrazoado impedir a colaboração da CCCC na apuração de crimes graves, tanto mais quando o acordo firmado com o parquet preenche os pressupostos legais estabelecidos no artigo 3º-A, da Lei 12.850/2013, pois, por meio de tal negócio jurídico, foram efetivamente produzidas provas, satisfazendo-se o interesse e a utilidade pública inerentes à repressão e à prevenção de delitos”, disse Coelho.
Para o magistrado, embora a situação debatida nos autos seja incomum, a pessoa jurídica é sujeito de direitos e, bem por isso, tem capacidade e autonomia para firmar compromissos e agir voluntariamente, podendo, assim, celebrar o acordo de colaboração premiada.
“Nem há de se presumir que a expressa possibilidade de acordos de leniência firmados por pessoas jurídicas (Lei 12.846/2013) implica em vedação tácita à celebração de acordos de colaboração premiada (Lei 12.850/2013). Ora, um instituto não se confunde com o outro, nem tampouco se anulam”, disse o relator, lembrando que executivos da Camargo Corrêa também firmaram acordos autônomos com o MP.
Leia o acórdão.
2103070-67.2021.8.26.0000
Com informações da Conjur