A cidadania plena não é aquela que garante vários direitos a um número limitado de pessoas, mas a que assegura todos os direitos ao maior número possível delas, dando-lhes, assim, a noção de equidade social. Em uma nação marcada por desigualdades, o ordenamento jurídico cumpre o papel de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis e a inclusão social de grupos historicamente marginalizados.
Em relação às pessoas idosas, a Constituição, promulgada em 1988, estabeleceu o amparo a esse grupo como dever comum da família, da sociedade e do Estado. Em 2003, o Estatuto da Pessoa Idosa instituiu direitos e garantias especiais. E, desde 2015, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas, instrumento jurídico elaborado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) com o objetivo de estabelecer padrões regionais para promoção e proteção desse grupo social.
A legislação que garante direitos à pessoa com deficiência também vem sendo aprimorada nos últimos 35 anos. A Carta Magna determinou que cabe a todas as unidades federativas cuidar da saúde, da proteção e da integração social da população com deficiência. A partir daí, vários instrumentos legais foram adotados para cumprir os mandamentos constitucionais, a exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que passou a vigorar no país com status de emenda constitucional em 2009, e da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), de 2015.
O STJ, criado pela Constituição atual, confere materialidade à alcunha de Tribunal da Cidadania ao implementar, de maneira uniforme em todo o país, os direitos que já foram negados a amplas parcelas da população. Para Flávia Piovesan, professora de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a Constituição de 1988 foi um marco tanto da transição brasileira para a democracia quanto da institucionalização dos direitos humanos no ordenamento jurídico nacional.
A professora, especializada em direitos humanos, acredita que a Carta Magna se consolidou como elemento primordial para assegurar visibilidade e proteção jurídica especial a pessoas em situação de vulnerabilidade. De acordo com Flávia, essa proteção a grupos que sofrem discriminação histórica e estrutural – caso de pessoas idosas ou com deficiência – é muito significativa, principalmente quando são levadas em conta as interseccionalidades, como as perspectivas de gênero ou raça.
Flávia Piovesan destaca o papel do STJ – e do Poder Judiciário como um todo – na defesa da cidadania dessas pessoas: “Entendo que a maior vocação do Poder Judiciário é proteger direitos, e ela tem sido honrada com primor pela Corte da Cidadania”.
CIDADANIA E DIGNIDADE
O ministro Sérgio Kukina considera que, embora tenha demorado 15 anos para que o reconhecimento dos direitos da pessoa idosa na Constituição fosse regulamentado, a aprovação da lei resultou em uma norma que invoca como matriz a doutrina da proteção integral: a lei não só contempla direitos, mas leva em conta as condições próprias da idade para o seu exercício.
Um exemplo da proteção integral a que o ministro se refere foi a decisão tomada na MC 25.053, sob sua relatoria. O acórdão garantiu a concessão de um percentual dos rendimentos a casal de idosos que teve os investimentos e a única conta bancária bloqueados em função de dívida tributária com a Fazenda Nacional. A decisão levou em consideração a proteção devida em função da avançada idade do casal.
Em 2014, o STJ definiu que o Estatuto da Pessoa Idosa é norma imperativa e de ordem pública. Significa dizer que seu interesse social é implícito e exige aplicação imediata em todas as relações jurídicas de trato sucessivo. O entendimento se deu no julgamento do REsp 1.280.211, em que se considerou abusivo o reajuste na mensalidade do plano de saúde de uma consumidora idosa.
Para o advogado Mauro Moreira Freitas, vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI), o direito de participar da elaboração e da implementação de políticas públicas, o acesso a serviços públicos e privados, e o respeito à manifestação de vontade conferem dignidade às pessoas na fase do envelhecimento. “O Estatuto da Pessoa Idosa é uma das ferramentas que obriga a família, a sociedade e o Estado a lhes conferir esse tratamento igualitário”, declarou.
Uma decisão do tribunal que reforça a proteção aos idosos foi a proferida no REsp 1.543.465, que definiu que as taxas de pedágio e de utilização de terminais rodoviários estão incluídas na gratuidade das vagas asseguradas aos idosos nos ônibus interestaduais.
Julgamento semelhante ocorreu no REsp 1.512.087, em que o STJ reconheceu o direito dos idosos ao desconto legal de 50% em um serviço de ônibus que levava os passageiros aos principais pontos turísticos de Curitiba. Para o tribunal, como o serviço era diretamente vinculado ao lazer – visita a pontos turísticos da cidade –, o idoso tinha direito ao desconto legal de 50% no valor do ingresso, nos termos do Estatuto da Pessoa Idosa.
Embora os direitos estejam salvaguardados por lei, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada em 2022, em parceria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, constatou que as pessoas com deficiência ainda têm menos acesso à educação, ao trabalho e, portanto, à renda. De acordo com a pesquisa, apenas uma em cada quatro pessoas de 25 anos ou mais com deficiência concluiu o ensino básico, e somente uma em cada quatro em idade de trabalhar estava ocupada.
A plena realização dos direitos que a legislação reconhece para a PcD não depende somente do Estado, mas também da família, das empresas e de toda a sociedade. Foi com essa perspectiva que a 3ª Turma do STJ, no REsp 2.041.463, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, condenou um estabelecimento comercial a construir rampa de acesso e a indenizar por danos morais o autor da ação – um homem com deficiência que, devido à falta de adaptações, não conseguia entrar no prédio com sua cadeira de rodas.
Ao julgar o REsp 1.315.822, o mesmo colegiado, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, manteve a condenação de instituição financeira a adotar documentos em braile para os clientes com deficiência visual. Na mesma linha, a 4ª Turma, em julgamento que teve como relator o ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1.349.188), decidiu que outro banco deveria confeccionar documentos em braile.
A importância do atendimento multidisciplinar no tratamento de autismo está no centro de algumas das mais importantes decisões do STJ sobre o tema. A 3ª Turma do tribunal, no julgamento do REsp 2.043.003, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, entendeu que os planos de saúde são obrigados a cobrir terapias especializadas prescritas para TEA.
No mesmo sentido, no REsp 1.901.869, de relatoria do ministro Moura Ribeiro, a 3ª Turma decidiu que os planos de saúde não podem limitar as sessões com profissionais como fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas para o tratamento contínuo de autismo infantil.
O tribunal elegeu a acessibilidade como um dos valores institucionais de seu Plano Estratégico 2021-2026 e, em 2023, realizou consulta pública para atualizar a Política de Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência ou com Mobilidade Reduzida. A publicação do novo documento está prevista para ocorrer ainda no primeiro semestre de 2024.
Com informações do STJ