Presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, a conselheira federal da OAB pelo Distrito Federal, Cristiane Damasceno, revela que 75% das mulheres já sofreram assédio moral e sexual e essa triste realidade também acontece com advogadas de todo o Brasil.
À frente da campanha “Advocacia sem Assédio”, ela destaca, neste 8 de março, as principais ações realizadas para conscientizar as advogadas, advogados e a sociedade em geral sobre o tema.
“Nosso próximo passo é que seja aprovado o projeto de lei que inclui o assédio moral e sexual como uma infração ético-disciplinar no Estatuto da Advocacia. Seremos o primeiro conselho de classe a adotar essa importante medida”, anuncia Damasceno, além de detalhar outras iniciativas em defesa e de apoio às mulheres advogadas que serão realizadas ao longo deste ano.
Confira a seguir a entrevista:
JuriNews: Após um ano à frente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, qual o balanço que você faz da atuação dessa que é, hoje, uma das mais importantes comissões da OAB Nacional?
Cristiane Damasceno: Lançamos em março do ano passado, nossa campanha de combate ao assédio, que foi bem divulgada dentro do sistema e lançada em todas as seccionais e, agora, ela está sendo interiorizada pelo Brasil em conjunto com o programa de interiorização das pautas do Conselho Federal, coordenada pelo João de Deus, da OAB Paraíba. Temos levado essa campanha para os rincões do Brasil e tem sido muito proveitoso, porque a primeira coisa quando falamos em violência contra a mulher de uma forma geral – e o assédio é um tipo de violência -, é mostrar à vítima o que é o assédio, verdadeiramente. Porque essas estruturas do patriarcado foram criadas pela sociedade muito antes de nós. Eu costumo dizer que não é essa geração que é culpada por essa estrutura que foi criada, ela já existe há centenas de anos. O que estamos fazendo hoje é que essas estruturas se rompam, para que as mulheres possam estar nos lugares onde elas quiserem, inclusive nos espaços de poder. Para que essas estruturas se rompam, temos que acabar com essa violência de gênero de uma maneira geral, e o assédio é uma delas. Então, o que é o assédio moral e sexual? É aquela violência que é praticada dentro do ambiente de trabalho. E isso tira sim as mulheres da competição, porque já temos tantas frentes de trabalho no nosso dia-a-dia, como os afazeres domésticos que sempre é dado às mulheres. Então, é desgastante estarmos, ainda assim, na frente de lugares de trabalho em que somos excluídas das decisões, dos trabalhos mais difíceis, as pessoas não se dirigem a gente e o assédio moral contra as mulheres é tanto vertical quanto horizontal, acontece de cima para baixo sim. E isso precisa ser combatido. Depois que o canal de denúncia foi lançado pela campanha, tivemos o caso da Caixa Econômica Federal, por exemplo. Depois da nossa campanha, esse assunto passou a viralizar na sociedade, passou a se falar mais sobre assédio. E vieram à tona casos como esse da Caixa.
JuriNews: A violência de gênero, hoje, é um problema crônico em toda a sociedade e, especificamente dentro da advocacia, a campanha surtiu resultados positivos. Qual é a realidade que as advogadas enfrentam no desempenho de suas atividades?
Cristiane Damasceno: O assédio atinge sim as advogadas, não estamos fora das estatísticas, em que 75% das mulheres já passaram por esses processos. Acredito que as outras 25% só não reconheceram isso. Por isso, é tão importante fazermos campanha de conscientização, primeiro para levarmos para todos os lados o que é o assédio, inclusive para a vítima e para o possível agressor também. Muitas mulheres também praticam o assédio, porque passaram por um processo de masculinização para poderem estar naqueles espaços. Temos notícias de mulheres que praticam o assédio moral contra outras mulheres. É uma coisa que precisamos quebrar e dizer a elas: “olha, agora vocês estão em um ambiente seguro, temos uma instituição que cuida desse assunto”. E foi muito importante esse incentivo dado pelo presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, dado a abertura para que esse assunto viesse à luz e que ele fosse tratado. Hoje, temos lideranças masculinas que estão comprometidas com essa pauta e isso é extremamente importante. Ter quem lidera, independente de ser homem ou mulher, envolvido com essas pautas de gênero e hoje, temos todos os presidentes das seccionais envolvidos e com o nosso presidente nacional, porque ele não hesitou em nenhum momento em trazer este assunto. Eu disse a ele que em nosso canal de denúncia, que criamos, pode vir denúncia dos amigos e dos inimigos. E ele, prontamente, disse que cada um tem que se responsabilizar pelos seus atos. Nosso canal é independente da presidência, que não barra denúncia. Esse canal é independente e coordenado por uma conselheira federal, onde recebemos as denúncias e as mandamos para nossas seccionais para averiguarem se existe uma infração ético-disciplinar e as pessoas culpadas serem processadas pelos nossos tribunais de ética.
JuriNews: Quais são as estatísticas após a implantação do canal de denúncias?
Cristiane Damaceno: Já tivemos mais de 60 denúncias recebidas pelo nosso canal. As mulheres ainda têm muita resistência, então elas me procuram muito no privado do Instagram para poder mandar e falar de suas histórias, porque elas precisam se certificar se isso é seguro, para que elas possam entrar nesse embate. Porque é mais uma luta que entram quando denunciam, por exemplo, outro colega. Então, ainda estamos passando por uma confiabilidade nesse sistema que estamos criando de denúncias aqui dentro.
Qual é o nosso principal passo a ser dado agora? Já distribuímos para o Pleno do Conselho Federal da OAB, através do conselheiro Cajé, que é o responsável pelo nosso pedido, que seja aprovado o projeto de lei que inclui o assédio moral e sexual como uma infração ético-disciplinar em nosso Estatuto. Identificamos ao longo desse primeiro ano que muitas vezes os juízes do TED deixam de punir os assediadores e assediadoras porque não têm previsão ético-disciplinar. Então, fizemos esse projeto de lei para que seja encaminhado para votação no Pleno e depois encaminhado para as casas legislativas, para que a nossa lei seja alterada e isso vire uma infração ético-disciplinar. Seremos o primeiro conselho de classe em que teremos como infração ético-disciplinar o assédio moral e sexual. Já está em apreciação dentro do Pleno e estamos fazendo de tudo para levar isso à nossa sessão deste mês março, que acontecerá no próximo dia 13, em Belo Horizonte (MG). Será uma sessão emblemática, em que teremos 50% de mulheres nas bancadas, então é muito importante para podermos levar esse assunto e ele ser aprovado em nosso Pleno, para ser mais uma medida de combate ao assédio. Como já temos as súmulas de não inscrição de agressores que praticam violência de gênero em nossos quadros, nós queremos algo mais para os casos de violência, que é a previsão legal expressa.
JuriNews: Em relação às pautas voltadas para a advocacia feminina, a comissão também tem atuado para garantir direitos das advogadas. Quais são as ações que você elenca neste balanço?
Cristiane Damasceno: Tivemos muitas questões de prerrogativas que vieram à tona e estamos atuando com a Comissão Nacional de Prerrogativas, que tem o presidente Ricardo Breier à frente e tem sido muito companheiro comigo, temos andado muito para atender os casos, no interior do Brasil inclusive, que tem chegado. Os presidentes de seccionais têm sido muito sensíveis para tomarem providências enérgicas contra as violações de prerrogativas praticadas contra as mulheres. Estamos, hoje, vivendo um novo momento no Sistema OAB, que é a circulação dessa informação e dessa necessidade, que isso não é mimimi, e que isso é importante para que estejamos nos espaços de poder. Então, temos esse movimento e essa energia olhando de uma forma mais próxima essas questões de gênero. Para esse ano, também na sessão do próximo dia 13, vamos lançar nosso novo projeto “Carreiras”, de desenvolvimento pessoal e profissional e lideranças das mulheres. Queremos formar e desenvolver os talentos que temos. Será um projeto de abrangência nacional, onde teremos aulas da ESA e mentorias com grandes advogadas, que vão passar por um processo seletivo para praticar essas mentorias e potencalizar nas advogadas o que elas têm de melhor. As mulheres são muito disponíveis para isso, desenvolvimento pessoal é a pauta da pessoa que quer liderar com qualidade. As pesquisas mostram que as mulheres são mais afeitas a essa pauta e é tanto que muitas empresas hoje procuram mulheres líderes de ponta, que sejam chamadas líderes de alto valor. E é isso que queremos fazer, porque temos muito talentos dentro do Sistema OAB a serem desenvolvidos. E a Comissão Nacional da Mulher Advogada quer potencializar isso porque vai fazer as mulheres ganharem mais dinheiro, a terem mais segurança, combaterem mais a violência, porque elas vão se autoconhecerem e criarem uma robustez emocional para entenderem o que são os relacionamentos tóxicos e não entrarem neles. O desenvolvimento pessoal faz a gente passar por uma experiência de vida que nos colocam em patamares diferenciados.
JuriNews: Qual a mensagem para o 8 de Março que você deixa para as mulheres, em especial, as advogadas que estão militando no dia a dia na advocacia brasileira?
Cristiane Damasceno: Eu tenho um espírito de gratidão muito grande com aquelas que nos antecederam, porque, sem elas, nós não teríamos chegado até aqui. Somos um anjo de uma asa só. Se não tivéssemos tido mulheres a 100, 200, 300 anos atrás com coragem, muitas vezes até pagando com a própria vida para poderem ter direitos que hoje nós podemos utilizá-los como utilizamos, temos liberdade já para muita coisa, eu acho que isso não seria possível. Para as que estão comigo, me ladeando hoje, acho que a grande mensagem é: “Prosseguir sempre. Desistir, jamais”. Temos a responsabilidade de deixarmos nossa pedrinha nesse caminho, para aquelas que vêm depois de nós. Então, eu sei que, muitas vezes, estar falando em determinadas pautas e conseguir espaços é cansativo, mas temos que ter um foco claro e um propósito determinado para construir uma estrada para que no futuro possamos ganhar uma Medalha Rui Barbosa e, olhando para trás, ver que deixamos essa pedrinha no caminho para as mulheres que irão ocupar os espaços na advocacia.