Berenice Piana tornou-se especialista no Transtorno do Espectro Autista (TEA) há cerca de 20 anos para cuidar do filho caçula, que demonstrava ter desenvolvimento atípico desde criança. À época, uma em cada 150 crianças nascidas nos Estados Unidos era diagnosticada com TEA. Nesta quinta-feira (1º/12), na abertura do seminário que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) organiza para marcar os 10 anos da lei dos direitos dos autistas no Brasil, a ativista contou sobre a sua busca para garantir, efetivamente, os direitos a quem tem TEA e às suas famílias, enquanto sensibiliza a sociedade para a necessidade de inclusão dessa população em crescimento.
De acordo com a estatística mais recente, atualizada em julho, uma em cada 30 crianças nascidas nos EUA recebe o mesmo diagnóstico que tantos pais e mães recebem também no Brasil. A exemplo de Berenice Piana, o CNJ também busca dar visibilidade ao tema com o Seminário “10 anos da Lei n. 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) – conquistas e desafios”, promovido pela Comissão Permanente de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão, responsável pelo evento. O presidente da comissão, conselheiro Mário Maia, disse que a ativista que dá nome à lei é uma inspiração para milhares de pais e mães de filhos diagnosticados com TEA – inclusive ele mesmo, pai de Mário.
“Hoje é difícil. Não consigo imaginar como era difícil 20 anos atrás. Você [Berenice] persistentemente, teimosamente, como todas as mães de autistas, foi em frente. Não retrocedeu”, afirmou o conselheiro. Ao longo do dia, o seminário oferece conhecimento sobre os direitos dessa população, o acesso à saúde, as políticas públicas implantadas para esse público desde a edição da Lei Berenice Piana, a inclusão dos autistas na escola e no mercado de trabalho, além da atuação dos atores do sistema de justiça em relação a quem busca direitos das pessoas que têm uma deficiência difícil de ser diagnosticada. “São políticas públicas que devem ser implementadas, ampliadas, divulgadas”, afirmou o conselheiro.
Interface com a Justiça
A Lei n. 12.764/2012 traz a definição do autismo nos incisos I e II do artigo 1º. Entre as características, está a deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais e do uso de padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades.
O preconceito e a falta de informação sobre o distúrbio provocam o isolamento das famílias, além de prejudicar o diagnóstico de TEA e o tratamento adequado, comentou a desembargadora Carmen Gonzalez, que integra a equipe de juízes e juízas auxiliares da Presidência do CNJ e representou a presidente do CNJ, ministra Rosa Weber na solenidade. “Na minha avaliação, é preciso que se fomente uma jurisdição mais empática, que é prerrogativa desse Conselho, o fortalecimento, pela via institucional, dos mecanismos disponíveis para a construção de uma Justiça mais igualitária e efetivamente democrática, que abranja a todas as pessoas da nossa sociedade”, disse.
A solenidade de abertura contou com a apresentação da banda Hey Johnny, cujo vocalista é o adolescente e autista João Daniel Simões. Em uma das três canções que cantou, João Daniel foi acompanhado pelo conselheiro “e músico, antes de ser advogado”, Mário Maia, ao cajón. O pai de João Daniel e produtor da banda, Eduardo Simões, alertou que é preciso fazer frente ao alto índice de nascimento de autistas, com políticas públicas adequadas.
Cumprimento da lei
De acordo com Berenice Piana, as famílias precisam se organizar para assegurar o cumprimento integral da lei, que “atualmente é cumprida de forma pulverizada”. A lei prevê direitos específicos a essa parte da população, especialmente na área da saúde. De acordo com a Lei n. 12.764/2012, são direitos da pessoa com transtorno do espectro autista “o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo”, “o atendimento multiprofissional”, “nutrição adequada e a terapia nutricional”, “os medicamentos” e “informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento”.
Idealizadora da primeira Clínica-Escola do país a receber especificamente estudantes do TEA, em Itaboraí/RJ, Berenice Piana defende inclusão humanizada para os autistas no ambiente escolar, que não se confunda com “segregação”, mas também acolhimento para os pais dessas pessoas, que experimentam um luto após a confirmação de um diagnóstico do TEA do filho. “Não é inclusão colocar [a criança com TEA] na sala e fechar a porta, se importar se ele está gritando, se está chorando ou sofrendo com todo o barulho de uma sala de aula. Inclusão humanizada é tratamento e escolarização. A escola inteira, desde o porteiro até o diretor da escola, tem de entender o que é autismo e como minimizar os efeitos negativos em cima dessa criança”, afirmou a militante, que sonha em ver o modelo de educação reproduzido em todo o país.
Seminário
Entre os temas em debate no Seminário “10 anos da Lei n. 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) – conquistas e desafios” dois painéis reúnem especialistas para abordar relação entre autismo e educação. Às 14 horas, especialistas trataram de autismo e atipicidades no processo educacional e, às 14h45, das altas habilidades ou superdotação em pessoas com autismo.
A atuação de juízes e juízas, promotores e promotoras e defensores e defensoras públicos em demandas relacionadas à Lei Berenice Piana também está na pauta, em um painel com a mediação da juíza do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Élbia Rosane, que integra o Grupo de Trabalho instituído pelo CNJ em setembro. O colegiado tem a atribuição de realizar estudos e elaborar material destinado à orientação e ao treinamento no atendimento e na atuação diante de pessoas com transtorno do espectro autista no Poder Judiciário.
Participarão da mesa a juíza da Comissão de Acessibilidade e Inclusão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), Denise Gondim Mendonça, o coordenador auxiliar do Núcleo Especializado dos Direitos da Pessoa Idosa e Pessoa com Deficiência na Defensoria Pública de São Paulo, Rodrigo Gruppi Carlos da Costa, e o promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia Fernando Gaburri de Souza Lima, que também é o 2º vice-presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM).
Com informações do CNJ