O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Humberto Martins, afirmou que a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), na última sexta-feira (18), colocou o Brasil no grupo dos países que reconhecem os cidadãos como titulares de direitos sobre seus dados pessoais. A nova lei exige que empresas e órgãos públicos deixem claro para os usuários de que forma serão feitos a coleta, o armazenamento e o uso de seus dados pessoais. Com isso, ela provocará transformações importantes na rotina de pessoas, empresas e organizações públicas.
Para presidente do STJ, o Judiciário, seguindo a Recomendação 73/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), está trabalhando para adequar todos os seus órgãos jurisdicionais, administrativos e gerenciais à nova legislação. E destacou que, para que sejam implementados e garantidos os direitos subjetivos previstos na LGPD, é preciso haver vigilância contínua, tanto externa quanto interna, com a utilização dos meios de controle do Poder Judiciário.
Responsabilidade
O diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ministro Og Fernandes, lembrou que os dados são hoje a grande ferramenta de controle do presente e do futuro.
“O mundo cibernético, sem fronteiras e com inúmeras possibilidades, incentiva o compartilhamento desenfreado de informações pessoais. Essas informações também são exigidas a cada passo e a cada instante. No momento em que abandonamos o papel – inclusive dentro do Judiciário –, inserimos os dados em grandes bancos imateriais, que deixam o meio físico e passam a ficar contidos em nuvens de memória eterna e sem censuras”, afirmou.
Og Fernandes destacou a importância e a responsabilidade representada pela posse e pela gestão de dados pessoais no STJ e no Judiciário como um todo, e exortou que os magistrados debatam o tema e se preparem para os novos desafios.
“O Poder Judiciário, como hospedeiro de dados pessoais de milhões de pessoas – muitas delas vulneráveis –, deve debater essa responsabilidade e esse encargo. Para nós, juízes e gestores do sistema de Justiça, dados pessoais nunca poderão ser uma simples moeda de troca ou o petróleo do futuro. Temos um papel de proteção e de gestão dos dados daqueles que buscam a Justiça em busca de respostas, bem como daqueles que compõem o corpo que movimenta a máquina jurisdicional”, concluiu.
Webinário
As declarações foram feitas durante o webinário promovido pelo STJ e pelo CJF, em parceria com o Centro de Formação e Gestão Judiciária do STJ (Cefor) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), para debater a aplicação da LGPD no Poder Judiciário.
Segundo o diretor do Cefor, professor Alexandre Veronese, o webinário é o primeiro evento público de uma série de ações com as quais o STJ, o CJF e a Enfam pretendem colaborar na efetivação da LGPD dentro dos órgãos judiciários. “Teremos muitos meses de trabalho na adaptação de rotinas, processos e serviços aos termos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Essa adaptação possui uma perspectiva interna com as peculiaridades das atividades judiciárias, as quais exigirão soluções específicas”.
Segurança
O ministro Villas Bôas Cueva iniciou o debate traçando um histórico da construção da legislação de proteção de dados no Brasil. Segundo ele, a Lei 13.709/2018 tramitou durante oito anos e se baseia no Regulamento Geral de Proteção de Dados, uma geração mais avançada dessa legislação de proteção de dados na Europa.
“Essa lei é muito importante para inserir o Brasil nesta nova economia digital e permitir que os titulares de dados tenham mais segurança nas transações, que se tornam cada vez mais constantes e ainda aumentarão com o 5G e com o uso de instrumentos de inteligência artificial, em todos os setores, inclusive no Judiciário”, destacou.
Para o ministro, a nova lei colocará o Brasil em sintonia com os marcos legais regulatórios existentes no mundo. Segundo ele, desde a década de 1990, a jurisprudência do STJ tem reconhecido que existe um novo tipo de privacidade envolvendo dados. E lembrou que, quando o STF tratou das ações que questionavam o envio de dados das empresas de telefonia fixa e móvel para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), firmou importante jurisprudência.
Villas Bôas Cueva acrescentou que, no Poder judiciário, a questão da aplicação da LGPD é complexa. Ele disse que existem pelo menos duas dimensões de aplicação da nova lei que devem ser adaptadas: a atividade não jurisdicional, administrativa; e a atividade jurisdicional, típica do Poder Judiciário.
Ele lembrou que a recomendação do CNJ traz orientações para que os tribunais criem seus planos de ação para mapear todas as suas atividades envolvendo dados pessoais, como os dados serão mantidos e quais critérios de segurança serão aplicados para garantir que a política de proteção de dados seja atendida.
Adaptação
Para a advogada Andrea Willemin, a LGPD é uma lei de grande espectro que impactará a maioria das atividades da população brasileira e dos órgãos públicos, principalmente o Poder Judiciário. “Quando falamos da LGPD, criamos uma nova categoria de dados, dados pessoais versus demais dados”, explicou.
Segundo ela, essa cisão traz toda uma alteração na forma e na estrutura de se lidar com os dados pessoais, além de exigir uma adaptação para que as estruturas organizacional, processual e sistemática trabalhem pela implementação do novo direito fundamental reconhecido pela lei.
Andrea declarou ainda que, em razão do aumento do uso da tecnologia, as pessoas podem sofrer danos e violações; por isso, o titular do dado precisa estar ciente do que está sendo feito com seus dados pessoais. “Em nenhum momento, a LGPD vai proibir o uso dos dados, e sim mostrará como esses dados pessoais poderão ser utilizados”, destacou.
Para a advogada, as instituições precisam conhecer a LGPD e os dados que transitam dentro dos seus órgãos, para se organizarem. “A dificuldade é grande, pois a ordem jurídica brasileira é diferenciada. Tínhamos grande exposição das informações, e a LGPD traz um novo ponto para remanejar o tratamento desses dados”, acrescentou.
Ela observou ainda que a adaptação das instituições implica modificação dos processos dentro das organizações, com fiscalização dos dados que entram e saem dos sistemas, para efetivar o novo direito.
“Não existe fórmula pronta para implementar a LGPD. Isso depende das particularidades de cada país e de cada instituição. Nesse momento, é preciso criar modelos para cada órgão, de forma que se possa prestar contas desses dados, pois vão gerar impacto em todas as áreas. É preciso um modelo próprio para a nossa realidade face à grande diversidade legal, cultural, econômica e tecnológica do Brasil”, concluiu.
Também participaram do webinário os ministros do STJ Maria Thereza de Assis Moura, Paulo de Tarso Sanseverino, Benedito Gonçalves e Isabel Gallotti.
Com informações do STJ