O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última sexta-feira (15), em que se manifesta favoravelmente à tese defendida pela empresa Apple num processo em que se discute o uso exclusivo da marca iPhone no Brasil pela empresa brasileira IGB Eletrônica. A companhia nacional fez o pedido de registro do termo Gradiente iPhone no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) ainda no ano 2000, antes mesmo do pedido da empresa norte-americana.
As duas companhias travam batalha judicial pela utilização da marca. No Supremo, a matéria está sendo discutida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.266.095, de relatoria do ministro Dias Toffoli, submetida à sistemática da repercussão geral (Tema 1.205). No parecer, o PGR sugere fixação de tese vinculante.
Aras afirma que, antes da aprovação do registro feito pela IBG Eletrônica junto ao Inpi, ocorreu mudança significativa no mercado a ponto de tornar a marca iPhone mundialmente conhecida pela excelência dos produtos fabricados pela Apple. Por essa razão, excepcionalmente, o uso da marca não ficaria restrito unicamente ao requisito da anterioridade, devendo ser analisado o contexto superveniente e as alterações fáticas relevantes.
Na origem, a Apple ajuizou ação contra a IBG Eletrônica e o Inpi visando a obter declaração de nulidade parcial do registro em nome da empresa nacional, a fim de retirar-lhe o direito de exclusividade sobre elemento de caráter descritivo, ou seja, do nome iPhone.
O pedido da empresa norte-americana foi julgado procedente na primeira instância e confirmado pelo Tribunal Região Federal da 2ª Região (TRF2). Seguiu-se a interposição de recursos especial e extraordinário pela IGB Eletrônica e de recurso especial pelo Inpi. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a ambos. Resta agora ao STF deliberar o mérito da questão e estabelecer tese de efeito obrigatório às demais instâncias.
Ao reconhecer o uso mundialmente consagrado da marca pela Apple, o STJ determinou a relativização da exclusividade da marca, permitindo seu uso individualizado por ter adquirido “incontestável distintividade e notoriedade em todo o mundo. Qualquer consumidor (independentemente de classe social ou nacionalidade) associa tal expressão ao smartphone comercializado pela sociedade empresária [Apple]”, destaca trecho do acórdão.
O que diz o MPF
Aras explica que, conforme a Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), a marca é um sinal distintivo visualmente perceptível, capaz de identificar produtos ou serviços, distinguindo-os de outros semelhantes. Trata-se de bem imaterial, cuja proteção consiste em garantir a seu titular o privilégio de uso ou exploração, regido pelos princípios constitucionais de defesa do consumidor e de repressão à concorrência desleal. A lei aponta que a distintividade é condição fundamental para o registro da marca, enumerando diversos sinais não registráveis por inexistir qualquer traço diferenciador que justifique sua apropriação exclusiva.
Determinados signos, no entanto, segundo Augusto Aras, podem sofrer mutações em sua distintividade, na medida em que adquirem significação específica e distintiva – fenômeno conhecido como “secondary meaning” –, abrindo espaço à possibilidade de registro como marca.
Nesse contexto, o uso e a notoriedade de um signo, por exemplo, são elementos essenciais para a caracterização da significação secundária, o que faz com que o consumidor vincule determinado termo a um produto ou serviço em particular (distintividade). “A aquisição de um segundo significado possibilita que um elemento meramente descritivo adquira distintividade a ponto de identificar um produto ou serviço, tornando-o vendável por atrair o consumidor”, explica.
Aras defende que a análise da concessão da exclusividade de marca pelo Inpi deve contemplar, além da anterioridade, os impactos da rapidez da evolução tecnológica e os efeitos deletérios da demora na concessão de registros. Isso, pelo fato de a marca ser um binômio formado, de um lado, pelo elemento nominativo ou figurativo que a compõe, e, de outro, pelo produto ou serviço ao qual é aplicada.
“A concessão de exclusividade com base na anterioridade, mesmo após a consolidação mundial do elemento descritivo, poderia confundir os consumidores, tendo em conta que a notoriedade agrega valor decisivo ao produto, tornando-o conhecido, confiável, durável no mercado e capaz de alavancar as vendas”. Admitir tal hipótese, na opinião do PGR, acarretaria prejuízo indevido à parte que, de boa-fé, tornou a expressão mundialmente reconhecida e com alto valor mercadológico em razão da excelência dos seus produtos.
Princípios constitucionais
No documento, Aras aponta que os princípios constitucionais de proteção da livre concorrência e da propriedade industrial buscam concretizar os mesmos objetivos. Enquanto a primeira fomenta a inovação, que agrega valor e beneficia o desenvolvimento nacional, gerando bem-estar ao consumidor, a última privilegia a conquista criativa, traz benefícios ao ambiente concorrencial e aos agentes econômicos que alcançam a inovação, criando condições legítimas de concorrência nos mercados. “A solução encontrada [pelo STJ], portanto, compatibiliza-se com as prescrições constitucionais atinentes à livre iniciativa e à livre concorrência, uma vez que a identidade marcária cumpre a sua função social”.
Parecer e fixação de tese
Ao fim do parecer, o procurador-geral se manifesta pelo desprovimento do recurso da IGB Eletrônica e, em razão da sistemática da repercussão geral e dos efeitos do julgamento em relação aos demais casos que tratem do mesmo tema, sugere a fixação da seguinte tese: “A mora na concessão do registro de marca pelo Inpi, concomitante ao surgimento de uso mundialmente consagrado da mesma marca por concorrente, mitiga o direito à exclusividade quando ensejar evidente confusão, a requerer a presença de elemento distintivo que preserve os direitos dos consumidores e demais agentes do mercado”.
Íntegra da manifestação no ARE 1.266.095
Com informações do MPF