A lei prevê reparação por atos de agente público que subverte a normalidade institucional em proveito próprio, abrindo mão dos deveres funcionais inerentes ao cargo que ocupa. Com esse fundamento, os deputados federais do Partido dos Trabalhadores (PT), Rui Falcão, José Guimarães, Natália Bonavides, Paulo Pimenta e Erika Kokay ingressaram com uma ação popular para pedir o ressarcimento pelos danos causados pela atuação de Sergio Moro enquanto juiz.
O pedido lista as condutas de Moro que feriram o respeito aos limites legais e afrontaram o princípio da imparcialidade. Para começar, o então juiz autorizou a interceptação e monitorou conversas telefônicas de um escritório de advocacia, com o claro objetivo de “bisbilhotar” e saber antecipadamente a estratégia defensiva.
Além disso, determinou uma “espetaculosa” condição coercitiva de alguém que jamais deixou de atender às intimações judiciais, mediante o uso de um “aparato militar cinematográfico” e com a evidente finalidade de abalar a imagem do réu e sua presunção de inocência.
O então juiz ainda deu publicidade a conversas telefônicas com o nítido fim de convulsionar a sociedade e as instituições em favor do impeachment de uma Presidenta legitimamente eleita, e contra o partido então governista.
A peça ainda lembra o episódio em que Moro, sem jurisdição e de férias, atuou para manter preso o ex-presidente Lula, cuja soltura havia sido determinada por órgão jurisdicional hierarquicamente superior.
Ao mesmo tempo em que perseguia Lula, narram os deputados, Moro recebeu convite para integrar o governo de Jair Bolsonaro, seu antagonista político; deu publicidade a anexos de delação premiada para prejudicar Lula; e, logo depois, aceitou convite para chefiar o Ministério da Justiça no governo de Bolsonaro.
Depois de ter deixado o governo, prossegue a inicial, Moro foi contratado para trabalhar em empresa de consultoria responsável, dentre outros, pela recuperação judicial de empresas direta e indiretamente prejudicadas por atos que praticou enquanto juiz.
Além disso, lançou-se como candidato à Presidência da República “com base na fama e no capital político adquirido por sua atuação enquanto magistrado”. Tudo isso, finaliza o pedido, praticado em manifesta contrariedade às balizas normativas e jurisprudenciais que delineiam a garantia constitucional do juiz natural.
Prejuízo ao erário
A defesa dos deputados afirma que os prejuízos causados pela atuação de Moro na “lava jato” superaram em muito a alardeada devolução de recursos aos cofres públicos, oriunda principalmente de acordos de delação premiada.
“A sanha persecutória do magistrado condutor da “Lava Jato” atrofiou as cadeias produtivas dos setores de óleo e gás e construção civil, reduzindo-as a uma fração ínfima do que subsistia anteriormente. As obras de infraestrutura — que outrora eram a alavanca de geração de empregos, ampliação de investimentos e formação de demandas — foram paradas, provocando os nocivos efeitos sociais do desemprego no país”, afirma a inicial.
O pedido cita um estudo de William Nozaki e Rosa Maria Marques, para o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), que estima que a operação gerou um déficit de R$ 142,6 bilhões — três vezes mais prejuízo econômico do que o valor que a própria “lava jato” avalia ter sido perdido com a corrupção.
Outra pesquisa, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em parceria com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), estimou que a operação ceifou mais de 4,4 milhões de empregos, entre os setores de construção, comércio, pecuária, agricultura, extração de petróleo e gás e serviços doméstico, entre outros.
Em um cálculo consolidado de vários estudos, a ação popular chega à estimativa de que a “lava jato” fez com que o setor de construção civil e a Petrobras deixassem de investir, em quatro anos, mais de R$ 172 bilhões.
O total de empregos perdidos para a “lava jato” foi de 4,4 milhões, segundo essas estimativas; em impostos, deixou-se de arrecadar R$ 47 milhões; a perda de massa salarial teria sido de R$ 85,7 milhões; e para a Previdência e o FGTS, o prejuízo foi de R$ 20,2 milhões.
As perdas coletivas à economia brasileira representaram 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no período compreendido entre 2014-2017, segundo o estudo do Dieese. A recuperação de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos, alardeada pelo Ministério Público Federal, é irrisória em comparação, afirmam os deputados.
Ressarcimento
Diante da existência de “inúmeras condutas incontestáveis pela via judicial, pois praticadas à margem do sistema legal”, é necessário que a Justiça declare a nulidade dos atos lesivos à moralidade da administração que foram praticados por Moro, afirma a peça.
O dano causado ao erário é presumido, argumenta a inicial, e independe da juntada de provas. “A lesividade ao patrimônio do Estado é presumida (in re ipsa). Ou seja, o prejuízo ao erário se dá a partir da mera violação dos princípios constitucionais pelo agente público”.
Assim, a ação popular pede que Moro seja condenado a ressarcir os prejuízos causados ao Estado por sua atuação, em valores que devem ser calculados na liquidação da sentença. Também pede que a responsabilização pessoal de Moro leve em conta que a mesma autoridade que praticou os atos que causaram prejuízo ao Estado depois se beneficiou desses mesmos atos, direta ou indiretamente.
Também pede que sejam catalogados na decisão os atos que foram praticados em ofensa à legalidade, à impessoalidade e à moralidade; e que “as formidáveis perdas e danos suportados pelo interesse público” sejam consideradas resultantes das “ilegalidades, desvios e iniquidades” perpetradas por Moro.
Por fim, pede que, em sede de liquidação de sentença, seja determinada uma apuração pericial ampla, capaz de “aquilatar a dimensão das lesões graves e irreparáveis à economia nacional e, consequentemente, ao patrimônio das pessoas jurídicas de direito público declinadas nesta petição”.
A ação popular foi apresentada à 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, uma vez que o prejuízo causado contra a União atrai a competência do juízo do DF.
A ação popular é assinada pelos advogados Marco Aurélio de Carvalho, Fabiano da Silva Santos, Lenio Luiz Streck, Weida Zancaner, Caroline Proner, Pedro Estevam Serrano, Gisele Guimarães Cittadino, Juvelino Strozake, Luciano Rollo Duarte, Larissa Ramina Reinaldo Santos de Almeida, Maíra Calidone Recchia Bayod, Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga, Marco Antônio Riechelmann Júnior, Luis Henrique Pichini Santos, Lucas Bortolozzo Clemente, Matheus Rodrigues Correa da Silva e Alfredo Ermírio de Araújo Andrade.
Com informações da Conjur