A Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JF-RS) proibiu a remoção ou despejo de duas cachorras que moram no Complexo Operacional dos Correios, na capital. A liminar é da juíza da 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS), Clarides Rahmeier. As duas cadelas sem raça definida, chamadas de Pretinha e Branquinha, habitam há aproximadamente dez anos no local, de forma dócil e adaptada com o ambiente e as pessoas que ali frequentam.
Dois funcionários do órgão ingressaram com a ação popular, no dia 28 de junho, contra os Correios, dois gestores do complexo e o superintendente estadual órgão. Eles narraram que os novos gestores dos Correios determinaram, sem motivo, a retirada das casinhas que abrigavam os animais, fato que gerou inconformidade por parte dos funcionários que cuidavam deles e que um caminhão de uma empresa de coleta de lixo seletivo fora chamada ao local para despejar Pretinha e Branquinha.
Em sua defesa, os Correios afirmaram que, em meados de 2020, foi constatada a existência de dois cachorros no complexo e que, com a adoção de ações e processos de melhoria nas unidades do órgão, procurou dar uma destinação aos animais, já que não houve autorização para permanência deles. Sustentou existir risco de acidentes em decorrência da situação irregular de habitação das cadelas.
Afirmou ainda ter realizado contato com a Prefeitura de Porto Alegre para identificar uma solução, tendo sido recomendado contato com Organizações Não Governamentais credenciadas, mas o acolhimento nestas entidades não foi possível. Assim, buscou-se interessados na adoção responsável e um prestador de serviço dos Correios manifestou vontade de ficar com os animais.
Proteção do animal não humano
Ao analisar o caso, a juíza federal substituta Clarides Rahmeier pontuou que a presente ação visa “proteger o patrimônio ambiental no espectro de proteção do animal não humano”. Ela destacou que, para deferimento da antecipação de tutela, “é necessário o cumprimento de dois requisitos: a demonstração do direito e a comprovação do perigo pela demora”.
Em relação ao segundo, a magistrada sublinhou que é certo que os Correios vem adotando medidas tendentes ao desabrigamento das duas cadelas do complexo.
Quanto à demonstração de direito, ela afirmou que, recentemente, “a ideia de dignidade animal tem ganhado força, a partir de pensadores que colocam em xeque o paradigma hegemônico antropocêntrico.
Não por outra razão diversas legislações estrangeiras vêm reconhecendo o direito animal como um tertium genus que merece proteção estatal, ainda que não se configure nem como pessoa nem como coisa”.
Seres dotados de sensibilidade e necessidades biopsicológicas
A juíza também mencionou tese adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhece os animais de companhia como dotados de sensibilidade e sentido as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais, devendo, portanto, ser considerado seu bem-estar. Ela ainda trouxe decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) que afirma que todos os seres capazes de sentir dor e sofrer devem ter seus interesses defendidos pelos animais humanos.
Rahmeier trouxe as conclusões expostas por dois médicos veterinários que “são uníssonas no sentido de estarem presentes vínculos afetivos com as cadelas ‘pretinha’ e ‘branquinha’ e que a remoção abrupta dos cães lhes pode acarretar prejuízos irreversíveis à saúde física e mental”.
Ela apontou que estes danos “não se aderem aos programas e ações sócio-ambientais adotados pela ECT. Dentre os princípio do Pacto Global das Nações Unidas – incorporados pelos Correios em 2012 -, consta o de apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais e o de desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental.
De igual forma, a Política de Sustentabilidade da Entidade exige a destinação ambientalmente adequada como norte das atividades por ela desenvolvidas. Essas ações ecoamigáveis também devem ser refletidas na atuação do Ente sobre os fatos discutidos neste processo”.
A magistrada afirmou ser incontroverso que os cães convivem nas dependências da empresa pública há anos, fato consoante às conclusões técnicas de que estão presentes laços afetivos barra o desabrigamento abrupto dos animais.
Sublinhou que, mesmo que não haja autorização formal dos Correios, o consentimento tácito caracterizado ao longo dos anos impede que a adoção de medidas repentinas de desacolhimento dos animais, considerando a irreversibilidade dos danos que podem suceder ao ato.
A juíza concedeu a liminar proibindo a remoção ou despejo das cadelas Pretinha e Branquinha do seu local de moradia no Complexo Operacional dos Correios. Também não se poderá remover novas casinhas doadas para o abrigamento das cachorras.
O mérito da ação ainda será julgado. Cabe recurso da decisão ao TRF-4.
Com informações da JF-RS