O investimento em capacitação e tecnologia tem ajudado alguns tribunais na tarefa de solucionar disputas levadas à Justiça com um acordo entre as partes. A prática dos tribunais de evitar, por meio do diálogo, o recurso a uma sentença está refletida nos indicadores da conciliação no Relatório Justiça em Números 2022 (ano-base 2021), anuário estatístico publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com os gestores de tribunais que se destacaram pelos índices de conciliação, no entanto, os benefícios da aposta da administração nos recursos humanos e tecnológicos vão além das estatísticas.
As capacitações realizadas pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT6) introduzem uma mudança cultural na Justiça do Trabalho em Pernambuco. Servidores e magistrados do TRT6 aprendem não apenas técnicas para levar duas partes em litígio a um consenso. De acordo com a coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania do Recife (Cejusc Recife), juíza Juliana Lyra, nos cursos, a conciliação é apresentada como um novo paradigma de tratamento de um caso levado a juízo.
“Nós estamos acostumados a litigar, pelo menos essa nossa geração só via uma solução na prolação de uma sentença, com cada parte litigando. Na formação, mostramos que existe outra forma de se resolver problemas”, afirmou. A Justiça do Trabalho de Pernambuco se destacou com o maior percentual de conciliações em 2021, entre processos que tramitavam na fase de conhecimento da primeira instância, em que as provas são colhidas, partes e testemunhas são ouvidas. Quase metade das ações (47%) foram solucionadas pela via da conciliação nesse estágio processual da primeira instância. No TRT6, os processos que terminaram 2021 sem solução estavam em andamento havia dois anos e quatro meses, em média.
Atendimento direcionado
Na Justiça de Goiás, as formações são temáticas e habilitam conciliadores e juízes leigos a atuar em unidades que atendem áreas específicas, como direito de família, justiça criminal, juizados especiais, cível, entre outros. De acordo com o juiz coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), Leonys Lopes Campos da Silva, o investimento nos servidores abrange tanto gestores quanto o pessoal operacional.
O treinamento especializado atualmente se concentra na capital, mas vai passar a atender todo o estado, com a expansão em curso dos Cejuscs virtuais. As unidades serão especializadas, centralizando demandas por tema. “A vantagem de termos mediadores e conciliadores capacitados em determinada matéria é, além de otimizar o trabalho, a qualidade da audiência realizada. Podemos escalar um conciliador para fazer uma audiência especializada conhecendo previamente o que é a lei de falências, por exemplo”, afirmou o magistrado. O TJGO apresenta o terceiro maior índice de conciliação (14%) entre todos os tribunais estaduais – e o maior entre aqueles de porte médio.
Execução
A Política Nacional de Conciliação foi instituída pelo CNJ em 2010, com a edição da Resolução CNJ n. 125. Em 2015, com o advento do Código de Processo Civil (CPC), a conciliação passou a ser incentivada em qualquer ponto do andamento do processo. Na fase de conhecimento, os acordos são mais comuns que na fase de execução, depois da sentença, quando a Justiça tenta fazer com que a decisão judicial seja efetivamente cumprida. Em média, ocorrem o dobro de acordos na fase de conhecimento que na execução.
De todas as 27 cortes da Justiça Estadual, o TJMS é o tribunal com o maior índice de conciliação – 20%. De acordo com o presidente do Conselho de Supervisão dos Juizados Especiais de Mato Grosso do Sul, desembargador Alexandre Bastos, a estratégia de formação de agentes da conciliação do tribunal de Justiça do Estado (TJMS) ajuda a estabelecer uma relação de confiança com a pessoa que leva seu problema à Justiça. Ao tratar com as partes em conflito, o conciliador bem-preparado reduz o número de audiências canceladas por ausência de uma das partes.
A preocupação é com a frustração de expectativas de quem aceita o convite da Justiça para tentar resolver seu problema conversando com a outra parte. “A porta de entrada do Judiciário é aberta por esse agente. Sensibilidade e preparo para atuar no primeiro momento constituem um diferencial no atendimento. Não é só técnica”, afirmou o desembargador.
Um dos motivos do desempenho do TJMS é o percentual de conciliações obtidas nos juizados especiais, instância em que a formalidade dos ritos processuais cede lugar à oralidade, à simplicidade e à efetividade. Na fase de conhecimento, cerca de 73% dos litígios acabam em acordo. Na fase de execução, a negociação solucionou 30% dos processos julgados nos juizados especiais do TJMS em 2021.
O uso da tecnologia, que era comum na Justiça sul-mato-grossense desde antes da pandemia de Covid-19, também ajuda a explicar o sucesso da conciliação, segundo o magistrado responsável pelos juizados especiais no estado. A experiência prévia do tribunal com atendimento via Balcão Virtual, que integra o Programa Justiça 4.0 do CNJ, e outras tecnologias de informação e de comunicação, como os aplicativos de mensagem instantânea, ajudou administração e usuários, familiarizados com a comunicação via smartphone.
“Antigamente, o cidadão da periferia, para ser atendido no Juizado Especial, fazia duas ou três viagens, por ter esquecido uma cópia da fatura da conta de energia, por exemplo. Começamos a telefonar para orientar a remeter, de casa, fotos dos documentos por WhatsApp, para começarmos a montar a primeira peça do caso”, disse o magistrado.
Em Goiás, as audiências são realizadas por WhatsApp, mas também por Cisco Webex, Google Meet, Zoom, plataformas para realização de videochamadas. “O importante é tentar fazer conciliação ou mediação. Nas instruções das varas de famílias (em que o juiz colhe informações para formar seu juízo), as testemunhas às vezes não sabem acessar um ou outro aplicativo, mas sabem usar o WhatsApp, sobretudo nas comarcas do interior. Em 2021, acordos fomentados pela política de conciliação do TJGO ajudaram a encerrar, ainda na fase de conhecimento, 30,6 mil processos nas varas de primeira instância. Nos juizados especiais, a negociação ajudou a dar desfecho a outras 23 mil ações judiciais, resolvidas por meio de uma sentença homologatória de acordo.
No Cejusc do Recife, o maior da Justiça do Trabalho de Pernambuco, a maioria das audiências são realizadas telepresencialmente. Segundo a conciliadora Renata Tenório, a predominância do modelo híbrido se deve à preferência das partes envolvidas na conciliação. O fato de às vezes estar a quilômetros de distância do fórum e das partes não impede que os conciliadores estabeleçam uma relação com as partes favorável à negociação.
“As audiências são tranquilas. Eu aviso que não é gravada. O ambiente é informal. Assim, as audiências de instrução ocorrem sem estresse. As partes vão e dizem se têm propostas para oferecer, nós perguntamos se é possível melhorar a oferta”, disse.
A conciliadora afirma que a pandemia trouxe para a conciliação muitas pessoas cobrando direitos trabalhistas de empregadores que faliram em função da crise causada pelas restrições impostas pelo novo coronavírus, sobretudo do setor de bares e restaurantes. Única conciliadora presente no Cejusc Recife desde a criação da unidade, em 2017, Renata afirma ter percebido uma certa sazonalidade na procura pela conciliação, com base na observação dos casos que chegam à unidade.
Alguns fatores alheios ao Poder Judiciário, como o desempenho da economia, propiciam a satisfação de mais disputas pela via do acordo, principalmente as dívidas. No entanto, há um fator cultural e regional. “O pessoal concilia mais quando chega perto do carnaval, de São João e do fim de ano. Como quer dinheiro para se divertir, o credor acaba cedendo um pouco e aceita a proposta do devedor”, afirmou.
Com informações do CNJ