O uso de cloroquina e hidroxicloroquina na prevenção e tratamento da covid-19 não deve mais ser considerado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Essa foi a posição defendida pelo Ministério Público Federal (MPF) no processo movido contra o CFM pela Defensoria Pública da União (DPU).
O MPF opinou pela imediata suspensão do Parecer 4/2020 – documento em que o conselho profissional ainda considera o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com covid-19, apesar do posicionamento contrário da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de órgãos públicos brasileiros especializados.
O MPF defendeu ainda que o CFM delibere sobre a possibilidade de infração ética dos médicos que vierem a prescrever tais substâncias para a prevenção e o tratamento da covid-19.
A manifestação ministerial também pontuou que o Conselho Federal de Medicina deve seguir as diretrizes da OMS, que são fortemente contrárias ao uso de hidroxicloroquina ou cloroquina contra o novo coronavírus, independentemente da severidade do quadro e da duração dos sintomas.
Tal recomendação é fruto de um estudo envolvendo mais de 100 países que constatou a ineficácia desses medicamentos em reduzir a mortalidade de pacientes hospitalizados com covid-19. Além da OMS, órgãos nacionais como a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e a Coordenação de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde também recomendam não utilizar cloroquina ou hidroxicloroquina no combate à doença.
No documento alvo da ação da DPU, editado no início da pandemia, em abril de 2020, o Conselho Federal de Medicina desenha um quadro de indefinição científica, afirmando que a covid-19 é uma doença nova e que a falta de evidências quanto aos benefícios dessas drogas no tratamento deve ser esclarecida aos pacientes. Contudo, apesar de enfatizar a incerteza quanto aos possíveis benefícios do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, o órgão não dá o mesmo destaque aos eventuais danos que tais medicamentos poderiam trazer à vida e à saúde dos pacientes.
“É como dizer que o uso de tais drogas é incerto mas que o resultado de seu uso só pode ser neutro ou benéfico, nunca maléfico. Além de ilógico, esse ponto de vista ignora conclusões da OMS, que não excluiu o potencial de um pequeno aumento do risco de morte e ventilação mecânica com hidroxicloroquina além de hipovolemia, hipotensão e lesão renal aguda”, ressaltou o procurador da República Luiz Costa, autor da manifestação do MPF.
Na avaliação do Ministério Público, ao expressamente manter aberta a possibilidade de uso de tais drogas no combate à covid-19, o CFM dá suporte normativo a situações que colocam a vida e a saúde das pessoas em risco. Além de violar a Constituição Federal, o conselho desrespeita decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que recomendou precaução e autocontenção se houver alguma dúvida sobre o impacto real de uma determinada substância na saúde da população.
Além disso, o MPF apontou que as informações trazidas pelo Parecer 4/2020 não são tecnicamente qualificadas e inclusive se sustentam em posicionamentos desatualizados. Ao fundamentar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, o ato normativo se limita a citar dois documentos, sendo um deles uma recomendação favorável ao emprego de tais substâncias, emitida pela Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA) em abril de 2020. Porém, desde agosto de 2020 a IDSA mudou seu entendimento e passou a se manifestar contra o uso dos medicamentos.
“Essa situação – já suficientemente alarmante – é agravada pela ação insólita do réu em elencar nesses autos ‘cinquenta estudos a favor e cinquenta estudos contra’ o uso da cloroquina e hidroxicloroquina em relação à covid-19. Mais uma vez, nenhuma definição de acervo de pesquisa, avaliação crítica nem interpretação de pesquisas. Um leigo com conhecimento de inglês, acesso à Internet e um pouco de boa vontade é capaz de fazer uma lista de artigos científicos ‘a favor e contra’. Mas certamente não é isso o que se espera de um órgão público com a estatura do CFM”, destacou Luiz Costa.
Na ação civil pública movida em face do conselho, a DPU pede não somente a suspensão da validade do Parecer 4/2020, mas também que o réu oriente ostensivamente a comunidade médica e a população em geral sobre a ineficácia de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, ressaltando a possibilidade de infração ética dos profissionais que vierem a prescrever tais medicamentos.
A Defensoria Pública da União requer ainda que o CFM seja condenado a pagar indenizações por danos morais à coletividade, às pessoas que foram tratadas com cloroquina ou hidroxicloroquina e aos familiares daquelas que receberam tal tratamento inadequado e vieram a falecer, além de arcar com o custeio do tratamento desses pacientes.
Íntegra da manifestação do MPF
O número do processo é 5028266-85.2021.4.03.6100.
Com informações do MPF