Por vislumbrar a possível prática de abuso de autoridade, o ministro Messod Azulay, do Superior Tribunal de Justiça, tem remetido ao Ministério Público competente os autos de casos em que há anulação de provas por causa de ilicitude na invasão de domicílio feita por agentes das forças de segurança.
Até o momento, a medida foi tomada em ao menos duas decisões monocráticas e uma colegiada, a qual foi aprovada por unanimidade de votos pela 5ª Turma da corte. Ela se baseia no artigo 40 do Código de Processo Penal, segundo o qual juízes devem remeter ao MP as cópias dos autos ou papéis de que conhecerem quando verificarem a existência de crime de ação pública.
Nesses processos, o ministro tem observado a possibilidade da prática do crime do artigo 22 da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), de “invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências”.
Além disso, ele também vê possibilidade de cometimento do crime do artigo 23, inciso II, da mesma lei, que tipifica o ato de “omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo”.
A análise da legalidade da invasão de domicílio é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ e tem impacto em um dos crimes que geram mais casos no Brasil: tráfico de drogas. A corte vem delineando razões para ingressar na casa de alguém sem mandado judicial, a partir da orientação do Supremo Tribunal Federal.
“O que eu vejo é que estamos aqui enxugando gelo”, afirmou o ministro Messod, em sessão de julgamento de fevereiro, quando anunciou aos colegas de 5ª Turma que passaria a informar o MP sobre os possíveis casos de abuso de autoridade. Segundo ele, as invasões ilícitas têm se repetido sem maiores consequências.
“E sempre encontrando alguma coisinha: meia dúzia de pílulas, 200 g de maconha, 300 g de cocaína. Parece uma coisa que me chamou atenção, no mínimo. Se estamos anulando, é porque há alguma coisa ilícita. E se há alguma coisa ilícita, é preciso que se extraiam peças e se encaminhe ao Ministério Público”, afirmou ele.
NULIDADE DA INVASÃO
Os casos em que o ministro Messod Azulay aplicou a medida são sintomáticos. No HC 779.427, que foi julgado pela 5ª Turma, o relato é de que policiais viram um homem tentar se esconder dentro do próprio carro, fato que causou estranheza e motivou a abordagem. Os agentes, então, pediram autorização para entrar na casa do suspeito, bem em frente. Eles acharam uma balança de precisão e, posteriormente, com a ajuda de cães, foram apreendidos entorpecentes.
Na visão do relator, não foram indicados elementos a legitimar a invasão domiciliar, de forma a evidenciar fundadas suspeitas quanto à prática do delito, levando à ilicitude das provas obtidas. Logo, ele determinou o envio das peças para o MP para que seja apurado o abuso de autoridade, e também à polícia, para instauração de procedimento disciplinar.
No AREsp 2.268.849, julgado monocraticamente, guardas municipais foram acionados para intervir em uma briga doméstica e, ao chegar ao local, foram informados de que o caso estava resolvido. Ainda assim, receberam autorização de testemunhas para entrar na casa, um sobrado. Foi quando sentiram cheiro de maconha vindo do andar superior.
Os guardas encontraram o réu no local fumando e, com ajuda de cães farejadores, descobriram drogas escondidas e artefatos relacionados ao tráfico. O ministro concluiu que a invasão do andar superior apoiou-se apenas no suposto odor de drogas, circunstância que não justifica, por si só, a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial.
Por fim, no caso do AREsp 2.223.319, policiais civis partiram de uma suspeita de ponto de venda de drogas. Encontraram o réu na frente da casa e, “após alguns questionamentos”, receberam a confissão de que ele guardava entorpecentes no local. Para o relator, o voluntarismo do suspeito soa inverossímil, como reconhece a jurisprudência em tais situações.
PODE RESPONSABILIZAR
A possibilidade de responsabilizar agentes de segurança pelos abusos de autoridade cometidos é justificada pelo ministro Messod Azulay, também, com base na decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 635, que discute o uso de violência policial nas comunidades do Rio de Janeiro.
Em fevereiro do ano passado, o STF mandou o estado fluminense apresentar um plano destinado a conter a letalidade das operações de suas forças policiais e controlar violações de direitos humanos no prazo de 90 dias. A decisão incluiu parâmetros para controlar as ações até que esse plano fosse colocado em prática.
Entre esses parâmetros, consta que, no caso de buscas domiciliares por parte das forças de segurança do Rio de Janeiro, sejam observadas determinadas diretrizes constitucionais, “sob pena de responsabilidade”.
Ao determinar o envio dos autos ao Ministério Público competente, o ministro Messod Azulay ainda exige a comunicação ao STJ das providências tomadas pela instituição de segurança pública responsável, em uma maneira de confirmar que a ordem foi efetivamente cumprida.
HC 779.427
AREsp 2.268.849
AREsp 2.223.319
Com informações da Conjur