O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) suspendeu liminarmente, na terça-feira (15/2), a Recomendação 01/2022, do Ministério Público da Bahia (MP-BA). A norma pretendia rescindir contratos celebrados entre o município de Madre de Deus, na Região Metropolitana de Salvador, e escritórios de advocacia. A decisão acolheu pedido da seção baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) e tem como fundamentos a singularidade dos serviços jurídicos e a autonomia administrativa municipal.
“Os serviços jurídicos, por sua natureza singular, impossibilitam a competição, não apenas por suas características abstratas, mas também em virtude da relevância do interesse público”, justificou o conselheiro Otávio Luiz Rodrigues Junior. Ainda segundo o membro do CNMP, “em análise liminar, evidencia-se a natureza aparentemente invasiva das determinações dadas pelo requerido (MP-BA) em face da autonomia administrativa do gestor municipal e à separação de poderes”.
Expedida em 19 de janeiro de 2022 e endereçada ao prefeito, a recomendação indicou cinco escritórios de advocacia com os quais Madre de Deus deveria rescindir os contratos. O MP também sugeriu a rescisão de “todos” os contratos para prestação de serviços advocatícios celebrados com inexigibilidade de licitação. Por fim, advertiu que a “a não adoção das providências recomendadas, no prazo de até 15 dias, poderá implicar na adoção das medidas extrajudiciais e judiciais a cargo do Ministério Público”.
Para tornar sem efeito a Recomendação 01/2022, “ante a generalidade e falta de substância fática e jurídica que lhe dê suporte”, a OAB-BA ingressou no CNMP com Procedimento de Controle Administrativo (PCA) contra o MP-BA. O órgão de classe requereu a concessão de liminar, inclusive para o requerido se abster de expedir novas recomendações com teor análogo para outros municípios e de instaurar apurações pelo descumprimento de sua orientação.
O MP alegou que o seu ato não possui “caráter cogente”. Porém, o CNMP deu razão à OAB, que afirmou possuir a recomendação “evidente força simbólica”, representando uma imposição ao gestor municipal das supostas orientações. “Na espécie, verifica-se que há determinação objetiva que se reveste em aparente recomendação”, reconheceu Otávio Luiz. Relator do PCA, ele acrescentou haver “força persuasiva invulgar”, somada ao fato de a recomendação se referir a posterior ajuizamento de ação civil pública.
‘Efeito cascata’
Segundo o conselheiro, os elementos apresentados pela OAB evidenciam a probabilidade do direito e a Recomendação 01/2022 se mostra “desproporcional e com riscos objetivos de dano”. A desproporcionalidade seria a aparente restrição às prerrogativas constitucionais da advocacia, indispensável à administração da Justiça, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal. “Qualquer tentativa de ofensa a essas prerrogativas constitucionais há de ser coibida com rigor no âmbito do CNMP”, frisou.
O relator também justificou o deferimento da liminar à necessidade de se prevenir que o MP apresente recomendações com teor similar em outras cidades. Conforme Otávio Luiz, a antecipação da tutela evitará eventual “efeito cascata de recomendações genéricas semelhantes”, que poderia gerar riscos de prejuízos irreparáveis não apenas a Madre de Deus, mas também aos demais municípios da Bahia que se se utilizam da modalidade de contratação direta de serviços especializados de advocacia.
Em sua decisão, “considerando a conveniência da adoção de modernos métodos de composição adequada de conflitos”, o conselheiro designou a realização de audiência de conciliação para o próximo dia 16 de março, na sede do CNMP, em Brasília. Contudo, o relator já antecipou que os escritórios apontados na recomendação apresentaram dezenas de atestados de capacidade técnica expedidos por municípios baianos, títulos e credenciais acadêmicas de seus sócios.
“Tais documentos, em análise liminar, aparentemente possuem elementos demonstrativos da singularidade e a especialização dos serviços prestados. Observa-se que a Recomendação 01/2022 utiliza-se de fundamentação genérica ao tratar da resolução das referidas contratações, na medida em que não houve aparente análise sobre a especialização e singularidade dos serviços prestados”, destacou Otávio Luiz. Segundo o relator, não há indícios de irregularidades na atuação das bancas citadas.
A assessoria jurídica de Madre de Deus informou que conta com apenas cinco integrantes, estando impossibilitada de atuar nas diversas áreas especializadas para as quais os escritórios de advocacia foram contratados. O artigo 74, inciso III, alíneas “c” e “e” da Lei 14.133/2021 (Licitações e Contratos Administrativos) estabelece que é inexigível o procedimento licitatório em relação a assessorias e consultorias técnicas, bem como ao patrocínio e à defesa de causas judiciais ou administrativas.
O artigo 3º-A da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) dispõe sobre a natureza técnica e singular dos serviços profissionais advocatícios, desde que comprovada sua notória especialização. Para o relator do PCA, este comando conferiu maior objetividade e segurança jurídica às contratações de sociedades de advogados por entes públicos, “considerando que não raramente tais contratações, ainda que revestidas de legalidade, eram objeto de escrutínio de órgãos ministeriais, com a inclusão de advogados no polo passivo de ações de improbidade administrativa e nos inquéritos civis públicos”.
Com informações da Conjur