A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é possível ao condenado reincidente, desde que a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do exato mesmo crime. Ou seja, não basta que sejam crimes da mesma espécie.
Essa é a nova orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que redefiniu a própria jurisprudência em julgamento. A decisão foi unânime, conforme a proposta feito pelo relator do agravo em recurso especial, ministro Ribeiro Dantas.
A restritiva de direitos é mais benéfica ao condenado porque substitui o encarceramento por penas alternativas como prestação pecuniária (pagamento), perda de bens e valores, limitação de fim de semana, prestação de serviços à comunidade e interdição de certos direitos.
O veto à substituição da privativa de liberdade por restritiva de direitos ao reincidente está previsto no artigo 44, parágrafo 3º do Código Penal. A parte final da norma diz que a pena será substituída desde que “a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime”.
Até então, a jurisprudência do STJ entendia o termo mesmo crime como crimes da mesma espécie. No caso concreto, o ministro Ribeiro Dantas monocraticamente negou a substituição da pena de um reincidente condenado por receptação que já tinha na ficha outra condenação por roubo — ambos crimes patrimoniais.
A defesa recorreu afirmando que o artigo 44, parágrafo 3º do Código Penal é “claríssimo e insofismável”. “Ora, a lei é clara: ‘mesmo crime’ não é ‘crime da mesma espécie'”. A ponderação foi o que levou o relator a afetar o tema para a 3ª Seção, de modo a permitir a discussão da matéria.
A conclusão é que a orientação jurisprudencial merece ser mudada.
Isso porque, segundo o ministro Ribeiro Dantas, se a lei vedasse a substituição da pena nos casos de reincidência específica, então seria possível interpretar que o cometimento de crimes da mesma espécie bastaria para impedir o benefício.
“Não foi isso, porém, que fez o legislador: com o uso da expressão ‘mesmo crime’ — ao invés de ‘reincidência específica’ —, criou-se no texto legal uma delimitação linguística que não pode ser ignorada”, disse.
A tese proposta e aprovada foi: a reincidência específica tratada no artigo 44, parágrafo 3º, do CP somente se aplica quando forem idênticos (e não apenas de mesma espécie) os crimes praticados.
Contradição penal
Uma das consequências do novo posicionamento da 3ª Seção é permitir que o Judiciário faça a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos nos casos em que o criminoso pratica um segundo crime mais grave que o primeiro, mas vedá-la ao condenado por dois crimes leves.
O exemplo dado pelo relator é do réu condenado duas vezes por furto simples, cuja substituição da pena será vedada pelo Código Penal. Já o réu que cometeu um furto simples e depois passou para furto qualificado, por exemplo, em tese poderia fazer jus à substituição se a pena não ultrapassar quatro anos de reclusão, apesar de “progredir” na criminalidade.
Essa contradição era impedida pela jurisprudência anterior do STJ, que vedada a substituição no caso de crimes do mesmo tipo — ou seja, considerava o bem jurídico tutelado pelos delitos para definir se incide ou não a proibição contida no artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal.
“A incongruência que apontei acima é matéria político-legislativa, a ser corrigida mediante os meios e processos da democracia; no Judiciário, impõe-se respeitar os limites lexicais dos textos normativos e assim aplicá-los”, indicou o ministro Ribeiro Dantas.
“Ampliar o sentido de ‘mesmo crime’ para obstar a substituição da pena de prisão equivaleria a impor uma sanção criminal sem previsão legal”, disse. Seria exercer analogia in malam partem (em prejuízo do réu), medida vedada pela jurisprudência brasileira.
Caso concreto
Infelizmente para o réu do caso concreto, a mudança de jurisprudência não serviu para substituir a pena da condenação por receptação. O relator considerou que o benefício não seria cabível porque a primeira condenação foi por roubo, que tem violência ou grave ameaça como elemento típico subjetivo.
“Apesar de não existir reincidência específica para os fins do artigo 44, parágrafo 3º, do CP, este STJ já rejeitou a substituição em hipóteses análogas, porque a análise da suficiência do benefício, para os réus reincidentes, deve ser feita à luz da condenação anterior”, explicou.
Assim, a substituição não é medida socialmente recomendável.
AREsp 1.716.664
Com informações da Conjur