A liquidação da sentença coletiva que trata de interesses individuais disponíveis deve ser feita por cada um dos beneficiários. Por isso, o fato de o Ministério Público tentar a liquidação coletiva não serve para interromper o prazo prescricional para as liquidações individuais.
Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que, nos casos de execução de sentença coletiva prevista no artigo 98 do Código de Defesa do Consumidor, a prescrição não se altera quando o MP tenta fazer a liquidação indevidamente.
A votação foi unânime, conforme a proposta da relatora, ministra Nancy Andrighi, e representa a pacificação de um entendimento.
Por isso, o colegiado decidiu modular os efeitos da decisão, que só será válido para ações coletivas transitadas em julgado após 11 de maio de 2022, data da publicação do acórdão.
O caso concreto julgado trata de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul contra uma faculdade de Campo Grande, com o objetivo de obriga-la a ressarcir parcelas contratuais exigidas de alunos com base em cláusulas contratuais nulas.
A ação foi julgada procedente e transitou em julgado em agosto de 2009. A partir de então, cada beneficiário teria 5 anos para ajuizar execução individual da sentença coletiva. Em 2010, o próprio MP-MS requereu a liquidação da sentença.
A legitimidade do órgão para tanto, conforme a jurisprudência do STJ, não existe. Isso porque, nessa fase do processo, não há interesse público ou social que justifique que o MP atue em nome de cada beneficiário da ação coletiva.
Para o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, apesar da pretensão ilegítima, a atuação do MP-MS se sobrepôs à dos credores individuais e, assim, impediu a caracterização da inércia deles em liquidar a ação coletiva. Logo, entendeu interrompido o prazo de prescrição.
Relatora, a ministra Nancy Andrighi reformou esse entendimento. Destacou que, se o MP não tem legitimidade para requerer a liquidação da sentença coletiva condenatória por lesão a direitos individuais homogêneos, é de se reconhecer que esse ato não é apto a interromper a prescrição para o exercício da respectiva pretensão pelos verdadeiros legitimados.
“Se de um lado não se pode considerar interrompida a prescrição quando a pretensão à que corresponde é deduzida por quem não é titular do interesse que se busca satisfazer, tampouco tem autorização legal para fazê-lo, de outro lado, se configura a inércia do verdadeiro legitimado”, afirmou.
Em voto-vista, o ministro Luís Felipe Salomão concordou com a posição, acrescentando que “a pretensão exercida por aquele que não tem legitimidade para tanto, ou seja, que não é o titular do interesse que se busca satisfazer, não é apta a interromper o prazo para o exercício pelos verdadeiros legitimados”.
Modulação
Ao fixar a tese, a ministra Nancy Andrighi reconheceu que a jurisprudência do STJ não era uníssona sobre o tema. Há diversos precedentes indicando que a a liquidação anteriormente promovida pelo Ministério Público, ainda que ilegítima, interrompe a prescrição.
Ou seja, essa posição criou na sociedade a confiança legítima quanto à ocorrência da interrupção da prescrição. Por isso, a mudança do entendimento deve ser modulada para valer a partir da publicação do acórdão pela Corte Especial.
Com isso, no caso concreto, fica afasta a prescrição. A ação coletiva transitou em julgado em 2009. Em 2010, o MP-MS pediu a liquidação, mas foi considerado parte ilegítima para tanto, em decisão que transitou em julgado apenas em 2015.
Portanto, a beneficiária da ação coletiva que ajuizou a liquidação em 2016 teve afastada a prescrição.
Com informações da Conjur