O Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a extinção da punibilidade no processo contra a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Marília de Castro Neves Vieira, que ofendeu em rede social a memória da vereadora Marielle Franco, dias após o seu assassinato, em março de 2018, ao relacionar a execução ao engajamento político da vítima.
Em agosto de 2019, a Corte Especial recebeu a queixa-crime movida pelos familiares de Marielle Franco contra a desembargadora. Ao julgar o mérito da acusação, a relatora, ministra Laurita Vaz, destacou que a retratação da magistrada, feita antes da sentença, de forma clara, completa e definitiva, implica a extinção da punibilidade quanto ao crime de calúnia.
“Se o ofensor, desde logo, mesmo sem consultar o ofendido, já se utiliza do mesmo veículo de comunicação para apresentar a retratação, não há razão para desmerecê-la, porque o ato já atingiu sua finalidade legal”, afirmou.
Aceitação desnecessária
A ministra Laurita Vaz afirmou que, apesar do descontentamento da família com a forma da retratação, esta foi feita “em conformidade com as diretrizes do Código Penal”, e a consequência deve ser a extinção de punibilidade.
Segundo ela, ao contrário do que sustentou a família da vereadora, “a retratação, admitida nos crimes de calúnia e difamação, não é ato bilateral, ou seja, não pressupõe aceitação da parte ofendida para surtir seus efeitos na seara penal, porque a lei não exige isso”.
Para a ministra, em certos casos, basta que a retratação seja cabal. “Vale dizer: deve ser clara, completa, definitiva e irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou ambiguidade quanto ao seu alcance, que é justamente o de desdizer as palavras ofensivas à honra, retratando-se o ofensor do malfeito. E isso, como se viu, foi feito”, concluiu Laurita Vaz.
Sentimento compreensível
Na avaliação de Laurita Vaz, é “absolutamente compreensível” a insatisfação dos familiares que, após perder um ente querido, ainda precisaram lidar, logo em seguida, com ofensas públicas à memória da filha, irmã e companheira brutalmente assassinada. No entanto – destacou –, a lei penal brasileira admite a retratação no tempo e no modo como ela foi feita.
“Por outro lado, há que se assentar que o que ocorre na hipótese é a extinção da punibilidade apenas no âmbito do direito penal. A reparação civil – aliás, muito mais eficaz que a resposta penal – permanecerá inteiramente aberta ao ofendido, independentemente da retratação feita no juízo criminal”, lembrou a ministra.
Histórico conturbado
Tramitam no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), três reclamações disciplinares e um pedido de providências contra a desembargadora por suas atitudes nas redes sociais. Uma das publicações questionadas mostra uma imagem dizendo que Guilherme Boulos será recebido “na bala” depois do decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que facilitou a posse de armas.
A desembargadora também atacou o próprio CNJ. “O CNJ impede o magistrado de prestar relevante serviço dentro de sua expertise. Quem perde, evidentemente, é o jurisdicionado, o cidadão. Enfim, isso é o CNJ”, afirma em uma publicação. Em uma outra publicação, a magistrada continua os ataques ao CNJ e ao CNMP, se referindo a uma reportagem sobre o senador Renan Calheiros. “Esses políticos corruptos indicam os conselheiros do CNMP e do CNJ exatamente para terem sua retaguarda garantida.”
Em entrevista a um veículo de comunicação, Jean Wyllys, reeleito deputado em outubro, disse que não iria tomar posse e deixar o Brasil, diante das ameaças que vinha recebendo. Uma das pessoas que ele diz contribuir para o clima de ódio e antagonismo que encontra nas ruas é a desembargadora Marília Castro Neves. Segundo o parlamentar, a magistrada disse num grupo no Facebook que ele deveria ser executado, por ser a favor de uma “execução profilática”. “O problema da esquerda é o mau humor”, se defendeu a desembargadora.
Com informações do STJ e Conjur