Por unanimidade, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um homem que havia sido condenado a dez anos e quatro meses de prisão após ser apontado como coautor de um roubo enquanto participava, como dublê, do reconhecimento criminal de seu pai.
Para o STJ, o caso revelou clara violação à regra de que ninguém pode ser condenado com base em prova que não supere a dúvida razoável quanto à sua participação no crime.
Conforme os autos, as vítimas de um assalto apontaram dois supostos criminosos em um álbum de fotos de suspeitos. Um dos homens foi preso e seus dois filhos o acompanharam à delegacia, quando aceitaram participar do reconhecimento do pai, ficando lado a lado com ele enquanto eram observados pelas vítimas.
Surpreendentemente, um dos filhos foi apontado como coautor do roubo – e acabou condenado em conjunto com o pai, mesmo não havendo nenhuma outra prova contra ele.
Tanto a sentença quanto o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) consideraram o reconhecimento suficiente para a definição da autoria do crime, e que o procedimento seguiu rigorosamente o previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP).
ARTIGO DO CPP NÃO CONFIGURA MERA RECOMENDAÇÃO
O relator do habeas corpus submetido ao STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que a 6ª Turma, em 2020, deu nova interpretação ao artigo 226 do CPP, superando o entendimento de que o dispositivo seria “mera recomendação” e, como tal, seu descumprimento não causaria nulidade no processo.
O ministro disse que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou teses no mesmo sentido, assim como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que publicou a Resolução 484/2022, para minimizar erros judiciários decorrentes de reconhecimentos equivocados.
Ele afirmou ainda que o STJ avançou no entendimento firmado e definiu que o reconhecimento pessoal, mesmo que seja válido, “não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva”.
Além de apontar a “pouca confiabilidade” de um reconhecimento isolado, Schietti observou irregularidades no ato e a existência de testemunhas que afirmaram que o acusado estava trabalhando no momento do crime. Além disso, na filmagem, o bandido aparece o tempo todo com o rosto parcialmente coberto e um laudo técnico da defesa indicou que suas características físicas não combinam com nenhum dos três autores do roubo.
Por fim, Schietti ressaltou que uma condenação não pode ser decorrente de mera convicção íntima do juiz, “ou mesmo de uma convicção apoiada em prova que, confrontada por evidências contrárias, suscite razoável dúvida quanto à narrativa acusatória, sob pena de inversão do ônus da prova”.
Redação, com informações do STJ