A cada eleição, uma parcela dos candidatos recorre a uma estratégia arriscada na tentativa de fisgar a atenção do eleitor: adotar nomes incomuns na propaganda política, com jingles e slogans cômicos. Em alguns casos, no entanto, esses nomes acabam sendo barrados por serem “ridículos ou irreverentes” demais, na visão da Justiça Eleitoral.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com Wanderley da Silva Ferreira (União Brasil), que registrou sua candidatura a deputado estadual pelo Espírito Santo como “Thor, o Pagodeiro do Amor”. Ele foi notificado pelo Ministério Público Eleitoral para escolher um novo nome em até três dias.
Segundo o procurador eleitoral Julio de Castilho, que assina o documento, “Thor, o Pagodeiro do Amor” infringe a resolução 23.609 do Tribunal Superior Eleitoral.
“O nome para constar da urna eletrônica terá no máximo 30 (trinta) caracteres, incluindo-se o espaço entre os nomes, podendo ser o prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual a candidata ou o candidato é mais conhecida(o), desde que não se estabeleça dúvida quanto a sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente”, diz o dispositivo.
Wanderley disse que “Thor, o Pagodeiro do Amor” é um nome artístico. Segundo ele, o apelido surgiu quando estava preso. Ele foi condenado a 25 anos em regime fechado em 1993, sob acusação de homicídio, e saiu em 2017.
“Sou músico e compositor. Eu sempre fui ‘Thor do Império’, ‘Thor, o trovão da Avenida’, mas quando eu caí preso mudei meu pseudônimo para ‘Thor, o Pagodeiro do Amor’. Na cadeia, comecei a cantar pagode romântico e mudei de nome. É meu nome artístico”, afirma.
Após a notificação do MPE, Wanderley decidiu mudar o nome de registro de sua candidatura para “Thor”. “Não me sinto prejudicado. O ‘Thor’ vai continuar. Em contrapartida, foram aprovados outros nomes irreverentes”, diz.
A vedação do TSE gera questionamentos entre os candidatos. O especialista em direito eleitoral Bruno Rangel Avelino afirma que isso se deve ao fato de os critérios da Justiça Eleitoral não serem claros. “Não há critério objetivo para definir o que é atentatório e o que não é. O parâmetro de interpretação é o mais permissivo possível”, diz.
O candidato a deputado estadual Daniel Batista da Cruz Filho (PSD) registrou sua candidatura em Sergipe como “Danielzinho Kaceteiro”. Ele afirmou que não foi notificado pelo MPE para escolher um novo nome de registro. No site do TSE, o pedido de registro de sua candidatura consta como “deferido”.
“Não recebi nenhuma notificação e espero não receber. É como o povo sergipano me conhece. Acredito que o nome me identifica, visto que sou muito conhecido por aqui”, conta.
Daniel disse que “kaceteiro” é uma expressão usada entre vaqueiros, que significa “força e bravura”. “Quando alguém faz algo que se destaca, costuma dizer que é kaceteiro”, explica.
Alguns exemplos de candidatos que também tiveram seus pedidos de registro deferidos são Emerson Clemente Lavareda (PDT), que apresentou sua candidatura à Assembleia Legislativa do Amapá como “Madimbu da Amazônia”, e Kleber de Almeida (Patriota), que pretende disputar o cargo de deputado estadual na Bahia como “Binho Galinha”.
Leandro Alves de Oliveira (União Brasil) apresentou à Justiça Eleitoral um pedido para concorrer à Assembleia Legislativa da Paraíba como “Pikenete Boca de Motor”, mas mudou de ideia. Ele afirmou que enviou por conta própria uma solicitação para alterar o nome apenas para “Pikenete”, temendo possíveis problemas com o TSE.
Segundo o advogado Bruno Avelino, a Justiça Eleitoral não costuma negar o registro por causa do nome dos candidatos. “A verdade é que o nome do candidato nunca poderia gerar o indeferimento do registro de candidatura. Só se pode indeferir candidaturas se faltar alguma condição de elegibilidade (art. 14 da Constituição) ou se existir alguma inelegibilidade”, diz.
O especialista assegura, também, que não é comum a Justiça Eleitoral pedir a alteração dos nomes dos candidatos. Segundo o especialista, isso ocorre apenas em “casos flagrantes”.
“As eleições ocorrem em ambiente democrático e competitivo, razão pela qual a imposição de mudança de nome, embora encontre amparo em resolução do TSE, é medida excepcional. Mudar o nome do candidato é alterar as suas chances na competição eleitoral, obrigando que conste na urna nome pelo qual não é conhecido pelo eleitor. O uso de nome artístico é lícito”, defende.
O especialista em direito eleitoral Alberto Rollo lembra que a legislação eleitoral prevê a vedação a nomes que façam referência a órgãos públicos. “A exceção que não deixam passar é o uso de expressão ou de siglas pertencentes a qualquer órgão da administração pública federal, estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta. Por exemplo ‘Zé do INSS’, ‘Zé da PM’, ‘Zé da Receita Federal’, etc”, afirma.
A CNN questionou o MPE sobre quantos candidatos foram notificados sobre a necessidade de escolher um novo nome de registro, mas não obteve resposta.
Com informações da CNN Brasil