A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que qualquer parcela de salário pode ser penhorada para o pagamento de dívida — e não só o que exceder aos 50 salários mínimos (R$ 65,1 mil), como determina o Código de Processo Civil (CPC).
Para os ministros, bastaria garantir um “mínimo existencial” para o devedor. A decisão, por maioria de votos, avança em relação ao que o CPC de 2015 determina sobre a impenhorabilidade de recebimentos. A discussão envolve os artigos 832 e 833.
Esse último artigo indica os bens impenhoráveis e as exceções. O dispositivo determina que salário e valores em poupança, de até 40 salários mínimos, podem ser penhorados para pagamento de pensão alimentícia. E no caso de outros tipos de dívida, o que exceder a 50 salários mínimos mensais. São ressalvadas ainda “eventuais peculiaridades do caso concreto”.
No caso julgado pelo STJ, o credor pediu a penhora de 30% do salário bruto (sem descontos) — em torno de R$ 8,5 mil — recebi- dos pelo devedor para quitação de débito estimado em R$ 110 mil, decorrente da execução de cheques (EREsp 1874222).
Na Corte Especial do STJ, os ministros julgaram se era possível a penhora nos casos em que o devedor recebe menos de 50 salários mínimos — observada a subsistência. O tema dividia as duas turmas que julgam casos de direito privado no STJ (3a e 4a).
Na sessão, a ministra Isabel Gallotti afirmou que existe uma divergência seriamente instalada sobre a questão: se há impenhorabilidade e só as peculiaridades do caso justificariam quebrar essa regra (linha adotada pela 4a Turma) ou se sempre será possível a penhora, desde que respeitado um mínimo existencial (entendimento da 3a Turma).
Para a ministra, a segunda hipótese poderia trazer um “mínimo existencial” insuficiente para o devedor. “É um conceito muito aber-to”, disse ela, que acabou vencida.
Prevaleceu o voto do relator, ministro João Otávio de Noronha. Ele afirmou que há um descompasso do critério geral com a realidade brasileira. “A fixação de limite de 50 salários mínimos merece críticas, se mostra muito dissonante da realidade brasileira”, disse.
Ele acrescentou que a norma prestigia apenas o direito fundamental do executado, desprestigiando o do credor.
O ministro citou precedentes da 3a Turma no mesmo sentido. Para ele, há a possibilidade de relativização da impenhorabilidade independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que assegurado valor que assegure a sua subsistência e da família.
No caso concreto, determinou que o processo volte à origem para analisar se a penhora de 30% mantém a subsistência do devedor. O voto foi seguido pelos ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Ricardo Villas Boas Cueva, Francisco Falcão, Laurita Vaz, Og Fernandes e Nancy Andrighi.
A ministra Isabel Gallotti ficou vencida junto do ministro Raul Araújo, que deu início à divergência. Também votaram nesse sentido os ministros Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques e Antonio Carlos Ferreira.
Em seu voto, Raul Araújo afirmou que o julgamento tem reflexos relevantes na vida das pessoas. “Jamais a parte vai conseguir pagar R$ 100 mil com parcelas mensais de cerca de R$ 2 mil”, afirmou ele, lembrando o valor do salário no caso e da dívida.
O ministro considerou que a dívida seguiria crescendo com a aplicação de juros de mora ou correção. “Contraria a impenhorabilidade dos salários”, disse.
Cabe recurso (embargos de declaração) da decisão da Corte Especial para pedir esclarecimentos. Para o caso chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) é necessário que o recurso apresente algum questionamento constitucional.
Com informações do Valor