A maioria dos ministros da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) votou para reconhecer o vínculo empregatício de um motorista com a Uber. O julgamento foi reiniciado nesta quarta-feira 15, com o voto do ministro Alberto Bresciani.
O processo começou a ser julgado em dezembro de 2020 com o voto do relator Maurício Godinho Delgado, no sentido de que estão presentes os requisitos para configurar o vínculo trabalhista entre a plataforma e o motorista. O ministro Bresciani votou no mesmo sentido e formou maioria, já que a Turma é composta de 3 ministros.
Ainda assim, o ministro Alexandre Agra Belmonte prorrogou o pedido de vista. O julgamento foi suspenso e não tem data para retornar.
Bresciani, autor do voto que formou maioria para reconhecer o vínculo empregatício, se aposenta no dia 22 de dezembro. Quando o caso for retomado, portanto, um novo ministro ocupará sua cadeira.
“Acredita-se que o(a) futuro(a) ministro(a) que substituirá Alberto Bresciani não poderá rever seu voto já proclamado no processo”, afirma Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador Trabalhista da Editora Mizuno e responsável pela série “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor” no JOTA.
“Com a maioria já formada o resultado não deve ser alterado caso o ministro Alexandre Agra Belmonte venha a divergir”, diz Calcini. Ele avalia que, quando este julgamento for finalizado, “caberá ao TST, por meio da SBDI-1, uniformizar a sua jurisprudência divergente que, até então, tinha posição contrária ao vínculo (4ª e 5ª Turmas), frente à primeira inédita decisão a favor do reconhecimento do liame empregatício”.
O processo tramita com o número 100353-02.2017.5.01.0066.
Procurada a Uber enviou a seguinte nota à redação:
A Uber irá aguardar o voto do ministro Alexandre Belmonte para se manifestar sobre a decisão, mas no momento cabe esclarecer que os votos proferidos pelos ministros Mauricio Godinho e Alberto Bresciani, da 3ª Turma do TST, representam entendimento isolado e contrário ao de todos os cinco processos julgados no próprio Tribunal – o mais recente deles no mês passado.
Nos votos, aparentemente, as provas produzidas no processo foram desconsideradas e os ministros basearam as decisões exclusivamente em concepções ideológicas sobre o modelo de funcionamento da Uber e sobre a atividade exercida pelos motoristas parceiros no Brasil.
Os ministros fizeram exposição citando temas relacionado ao constitucionalismo humanista, a filmes cinematográficos sobre a digitalização da sociedade e à reestruturação do sistema capitalista, porém pouco espaço foi dedicado às provas concretas do processo, como o fato do próprio motorista ter reconhecido, em depoimento à Justiça, que não recebeu nenhum tipo de ordem, nem teve nenhum tipo de supervisão, nos 57 dias em que usou o aplicativo da Uber até ser descadastrado por violação aos Termos de Uso da plataforma – aos quais todos aderem no momento do cadastro.
Essas provas foram analisadas pelo Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, que, fundamentado nelas, negou a existência de vínculo de emprego do motorista com a Uber tanto na primeira como na segunda instância, considerando que ele “possuía plena autonomia para definir os dias e horários de trabalho e descanso” e que “não recebia ordens nem precisava prestar relatórios de seu trabalho”.
Em sua exposição, os ministros também citaram decisões judiciais de outros países – algumas das quais já foram inclusive revogadas – na contramão do entendimento do próprio TST de que decisões estrangeiras não devem influenciar o Judiciário brasileiro por serem criadas em “ordens jurídicas absolutamente distintas”.
Jurisprudência
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 1.650 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.
Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.
O próprio TST já afastou em cinco julgamentos a existência de vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em maio, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação de um motorista com a empresa uma vez que ele podia “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”.
Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla” do parceiro para escolher “dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.
Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro. Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício” – a decisão mais recente neste sentido foi publicada em setembro.
Com informações do Jota