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Lei não permite trocar registro civil inteiro por nome de livre escolha, decide STJ

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As hipóteses listadas na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) para a mudança do registro civil não incluem a exclusão total de nome e sobrenome de alguém, com a substituição por outros de livre escolha do interessado.


Com esse entendimento, e por maioria de votos, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial ajuizado por uma líder comunitária indígena de uma aldeia do Rio de Janeiro que tentava mudar seu registro civil.

O julgamento tratou do caso de Solange Souza Reis, que nasceu na capital fluminense e, em 2011, aos 48 anos, passou a se aproximar de suas raízes indígenas em São Fidélis (RJ), onde seus pais nasceram. Essa mudança de rumo a fez adotar costumes e tradições indígenas, da etnia puri.

Em 2018, ela pediu na Justiça para mudar o nome e os sobrenomes, fazendo a substituição completa do registro civil para dar lugar a algo que represente verdadeiramente suas raízes. O objetivo era substituir o nome por Opetahra Nhâmarúri Puri Coroado.

As instâncias ordinárias negaram o pedido, conclusão que foi mantida a partir do voto divergente e vencedor do ministro Raul Araújo. Ele foi acompanhado pela ministra Isabel Gallotti e pelo ministro Antonio Carlos Ferreira.

Os ministros deram uma interpretação menos maleável aos artigos 57 e 58 da Lei de Registros Públicos, que preveem que a alteração do nome é excepcional e deve ser motivada. Isso apesar de a jurisprudência do próprio STJ adotar alguma liberalidade sobre o tema, como já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.


Não pode mudar

Para o ministro Raul Araújo, o pedido da líder comunitária indígena não tem amparo legal, pois a lei não dá a possibilidade de exclusão total do nome, com substituição por outros de livre escolha da pessoa. Além disso, a autora da ação sequer conseguiu comprovar que sua origem é, de fato, indígena, pois essa autoidentificação foi voluntária e tardia.

O voto divergente ainda destacou que sequer há precedentes no STJ autorizando tamanha alteração. E deu como exemplo o recente caso em que a 4ª Turma vetou a mudança do sobrenome do artista plástico Romero Brito — cujo registro traz a grafia com apenas uma letra “t”, mas que assina suas obras como Romero Britto, com dois “ts”.

“É incontroverso que a pessoa nasceu na cidade e foi criada como não indígena. Esse desejo de substituir totalmente seu nome não encontra amparo no ordenamento jurídico em vigor”, concordou a ministra Isabel Gallotti, ao votar nesta terça-feira (21/3) para formar a maioria vencedora.

Pode mudar

Ficou vencido o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, que votou por permitir a alteração em observância ao princípio da dignidade humana. Em sua avaliação, as exceções trazidas pela lei ao princípio da imutabilidade do registro civil são exemplificativas e devem ser interpretadas para se amoldarem à realidade social atual.

Assim, deveria ser possível mudar de nome em regra, se não houver risco à segurança pública e indícios de prejuízo a terceiros. Além disso, o direito à identidade étnico-cultural das pessoas indígenas não pode ser limitado por uma ótica registral que lhes negue a possibilidade de usar o nome que verdadeiramente reflita sua autoafirmação.

Nesta terça-feira, ele ainda se manifestou sobre a questão da identidade indígena. “Eu fico pensando: quem iria querer trocar de nome para Opetahra Nhâmarúri Puri Coroado se não fosse por um sentimento de pertencimento?”, indagou o ministro. “A questão é jurídica, não é fática. É saber se, dentro do ordenamento jurídico, é possível a troca diante do sentimento de pertencimento”, acrescentou.

Terceira via

Também ficou vencido o ministro Marco Buzzi, que, em voto-vista, defendeu uma terceira via para resolver o caso: devolver a ação para a primeira instância para que, com a participação da Funai, seja feita a análise da possibilidade de mudar o nome de Solange em razão de seu sentimento de pertencimento à tribo indígena.

“Jamais o sentimento de pertinência ou o direito de pessoa sentir-se, comportar-se e nutrir-se da cultura indígenas há de ser negado. Contudo, o fato jurídico apto a gerar direitos por vezes colidentes com a segurança jurídica das relações sociais ou do interesse público envolvido depende de critérios materiais, que precisam ser minimamente definidos e comprovados”, afirmou Buzzi.

REsp 1.927.090

Com informações da Conjur

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