É possível determinar a prestação de contas para fiscalização de pensão alimentícia. Para seu cabimento, não é necessária a comprovação prévia do mau uso da verba alimentar, bastando indícios. O processo deve seguir o rito ordinário, com ampla dilação probatória, e só é cabível a partir da entrada em vigor da Lei 13.508/2014.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou balizas para a interpretação do artigo 1.583, parágrafo 5º do Código Civil. A decisão, unânime, permite que um pai fiscalize o uso, pela mãe, da pensão paga em favor de seus filhos gêmeos.
A norma em questão foi incluída no Código Civil pela Lei 13.508/2014 e transformou o genitor que não detém a guarda do menor em parte legítima para “solicitar informações ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”.
Em maio de 2020, a 3ª Turma do STJ interpretou-a, por maioria apertada de votos, como autorizativa do uso de prestação de contas em pensão alimentícia. Até então, a jurisprudência era no sentido de que ela não seria cabível, pois as verbas pagas em alimentos são irrepetíveis.
Pelas circunstâncias do caso concreto julgado, o acórdão da 4ª Turma dá um passo a mais. Define que a prestação de contas deve seguir o rito ordinário, com ampla produção de provas, em vez do rito especial previsto no artigo 550 do Código de Processo Civil, mais simples e que prevê apresentação de contas ou contestação em apenas 15 dias.
Nesse ponto, o voto vencedor do ministro Moura Ribeiro na 3ª Turma decidiu que os critérios que deverão ser observados para a efetivação da prestação de contas seriam tarefa do juízo da causa em virtude das peculiaridades do caso concreto, que envolvia menor portador da síndrome de Down.
A 4ª Turma também definiu que a prestação de contas só abrange período a partir de 22 de dezembro de 2014, quando entrou em vigor a Lei 13.508/2014, já que o pedido no caso concreto é que a mãe preste conta dos valores pagos em pensão desde 2011 — a ação foi ajuizada em 2018. Esse ponto não foi discutido no recurso que chegou à 3ª Turma.
Em voto vogal, o ministro Raul Araújo defendeu essas duas premissas porque considerou impossível que a mãe tenha anotado cada despesa pessoal que fez desde 2011. Além disso, a obrigação de prestar contas não foi prevista na decisão que concedeu a pensão. Assim, ela não pôde se preparar para fazê-la.
A unificação da jurisprudência em relação à interpretação do artigo 1.583, parágrafo 5º do Código Civil é também relevante porque o caso julgado pela 3ª Turma gerou embargos de divergência, cuja tramitação já foi admitida pelo relator, ministro Antonio Carlos Ferreira (EREsp 1.814.639).
O acórdão paradigma apontado é justamente da 4ª Turma, que em sua orientação anterior afastava a prestação de contas em pensão alimentar.
Interesse natural
Relator do recurso na 4ª Turma, o ministro Luís Felipe Salomão apontou que, no caso da pensão alimentícia, a ação de exigir contas não tem como pressuposto necessário a existência de um crédito. Ou seja, o objetivo não é apurar um saldo devedor que poderá ser devolvido, mas sim investigar se a aplicação dos recursos destinados ao menor é a que mais atende ao seu interesse.
Assim, a prestação de contas de pensão alimentícia permite que os valores alimentares sejam mais bem conduzidos, previne intenções maliciosas de desvio e ganha caráter de educação do administrador para conduzir corretamente os negócios dos filhos menores.
“Entende-se como natural que o alimentante queira saber como os recursos pagos estão sendo empregados, se está sendo cumprido o desiderato de satisfação integral das necessidades do menor e se não está ocorrendo o desvirtuamento abusivo ou mesmo o gasto excessivo e supérfluo, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião”, afirmou.
Portanto, diante da norma incluída no Código Civil pela Lei 13.508/2014, não é mais possível falar em falta de legitimidade ativa ou de interesse de agir do alimentante na prestação de conta dos alimentos. A irrepetibilidade dos valores não é mais óbice à tramitação da ação.
Indícios
Assim como no julgado pela 3ª Turma, o caso concreto apreciado pela 4ª Turma traz indícios de mau uso dos valores da pensão. O pai justificou o pedido de prestação de contas alegando que paga entre R$ 7 e 10 mil, mas muitas vezes encontra os filhos gêmeos com roupas rasgadas, carentes de higiene pessoal, com material escolar danificado.
A primeira instância extingiuiu o processo pela simples impossibilidade jurídica do pedido. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento à apelação por entender que o pai não apresentou comprovação prévia do mau uso da verba alimentar.
O ministro Salomão destacou que, de fato, deve-se rechaçar o uso da prestação de contas quando existir o intuito o de importunar o administrador dos alimentos. Com isso, são necessários indícios de que a pensão está sendo mal aplicada. Mas provas, por outro lado, são desnecessárias.
“O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a — havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor — apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião”, concluiu.
REsp 1.911.030
Com informações da Conjur