Ao regulamentar a forma de cálculo dos preços de transferência prevista no artigo 18, inciso II da Lei 9.430/1996, a Instrução Normativa 243/2002 da Fazenda Nacional extrapolou limites e aumentou a onerosidade tributária das empresas de forma indevida, ao mexer com a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao agravo em recurso especial ajuizado por uma empresa farmacêutica, para afastar a metodologia imposta pela Fazenda com o objetivo de aprimorar a incidência tributária em operações de empresas multinacionais.
Na prática, o STJ considerou inválida a instrução, que aumentava a base de cálculo do IRPJ e da CSLL e ficou vigente de 2002 a 2012. A decisão beneficia multinacionais, que questionavam a metodologia aplicada pela Receita no período.
Preço de transferência é o instrumento aplicado às operações de venda de mercadorias ou produtos entre empresas multinacionais pertencentes ao mesmo grupo econômico. Nessas transações, há liberdade total para definir o valor cobrado, que pode ou não coincidir com o usualmente praticado no mercado.
Na prática, é uma forma de transferir lucros de uma jurisdição para a outra, sempre buscando como destino o local que tenha a menor base tributária.
Para evitar essa elisão fiscal, os países editaram leis para fixar preços de transferência, cujo efeito altera a identificação de base de cálculo de IRPJ e CSLL. No Brasil, essa previsão está no artigo 18 da Lei 9.430/1996.
Há três formas de definir o preço de transferência. O caso da farmacêutica se inseriu na previsão do inciso II da norma, que trata do método do “Preço de Revenda menos Lucro” (PLR-60).
Na redação do artigo 18 dada pela Lei 9.959/2000, esse cálculo seria feito pela média aritmética dos preços de revenda dos bens ou direitos, diminuídos de uma série de fatores, listados nos incisos e alíneas seguintes.
Ao regulamentar a lei, a IN 243/2002 alterou a fórmula criada para se chegar ao preço de transferência. A consequência foi um aumento da base de cálculo para cobrança de IRPJ e CSLL sobre esses valores.
Critério totalmente estranho
Para a 1ª Turma do STJ, essa regulamentação é ilegal. O ato infralegal de regulamentação não pode criar critério totalmente estranho à lei regulada, ainda mais para aumentar a carga tributária.
Essa conclusão foi proposta no voto-vista do ministro Gurgel de Faria, lido na tarde desta terça-feira (4/10) e incorporado pelo relator, ministro Benedito Gonçalves. Dessa forma, a votação no colegiado terminou unânime.
No voto, o ministro Gurgel aponta que a fórmula de cálculo criada pela Fazenda Nacional na IN 243/2002 é mais adequada para aferir correto preço de transferência e mais eficiente para evitar manipulação dos preços.
Porém, apontou que esse aperfeiçoamento não poderia ser feito em descompasso com a lei ordinária, em regra criada pelo próprio credor da obrigação tributária. Seria necessário, portanto, o devido trâmite legislativo.
“Tenho que a solução para a questão da eventual falha do comando normativo primário deveria passar pelo caminho da lei e não pela vontade de inovar do administrador, por melhor que esta fosse”, afirmou.
Esse caminho foi, de fato, trilhado em 2012, com a aprovação da 12.715/2012. Atualmente, ela é que define a fórmula de cálculo dos preços de transferência, no artigo 18 da Lei 9.430/1996. E a partir dessa atualização, a Fazenda inclusive editou a Instrução Normativa 1.312/2012, em substituição à norma anterior.
Com o provimento do agravo em recurso especial, a 1ª Turma concedeu a segurança para autorizar que o cálculo dos recolhimentos tributários entre a vigência da IN 243/2002 e o advento da Lei 12.715/2012 fosse feito na forma da instrução normativa anterior (IN 23/2002).
AREsp 511.736
Com informações da Conjur