A Apple não terá que pagar danos morais coletivos pela inserção do chamado “Erro 53” no iPhone 6. A medida, que inutiliza por completo o produto após a atualização do sistema operacional, afetou os consumidores que realizaram reparos fora da assistência técnica especializada. A decisão foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A ação teve origem em ação coletiva na qual o Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBPDI) pediu que a Apple fosse condenada a pagar indenização de R$ 50 milhões por dano moral coletivo e consertar, sem custos, os celulares prejudicados pelo bloqueio tecnológico, além de ressarcir eventuais despesas com reparos.
O IBPDI alegou que a fabricante do iPhone adotou essa prática “abusiva e anticoncorrencial” com a finalidade de manter os consumidores dependentes dos serviços de reparo e reposição de peças que ela disponibiliza nas lojas autorizadas.
Para o TJ-DFT, falhas tecnológicas seriam previsíveis
Em sua defesa, a Apple sustentou que o bloqueio dos aparelhos teria decorrido de um mecanismo de segurança que produz incompatibilidade entre os números de série dos componentes originais dos aparelhos e eventuais peças não autênticas utilizadas em consertos por oficinas não credenciadas.
Em primeira instância, o juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito, apontando a ilegitimidade ativa do IBPDI, ante a ausência de autorização expressa dos filiados, individualmente ou em assembleia específica para essa finalidade.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), apesar de reconhecer a legitimidade da autora, entendeu que não ficou caracterizado o dano moral coletivo, pois as falhas tecnológicas seriam previsíveis, e os consumidores teriam ciência das peculiaridades do produto – não havendo, portanto, lesão injusta e intolerável a valores fundamentais.
Dano moral coletivo está relacionado a direitos difusos e coletivos
No STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, de fato, conforme a jurisprudência do tribunal, o dano moral coletivo só será configurado quando a conduta antijurídica abalar, de forma intolerável, valores e interesses coletivos fundamentais.
Ela lembrou a diferença entre os direitos ou interesses transindividuais classificados como coletivos e os classificados como individuais homogêneos. Segundo a magistrada, os coletivos são aqueles de natureza indivisível, de titularidade de grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Os interesses individuais homogêneos, por seu turno, são interesses individuais que acabam alcançando toda uma coletividade e passam a ter relevância social, tornando-se indisponíveis quando tutelados.
Para a relatora, o dano moral coletivo “não se origina de violação de interesses ou direitos individuais homogêneos – que são apenas acidentalmente coletivos –, encontrando-se, em virtude de sua própria natureza jurídica, intimamente relacionado aos direitos difusos e coletivos”.
Vício do produto tem potencial de causar danos individualmente considerados
No caso do iPhone 6, Nancy Andrighi observou que as alegações do IBPDI e as provas reunidas no processo permitem concluir que o que se buscava na ação coletiva era a defesa de direitos individuais homogêneos.
“Não resta caracterizado, na hipótese, dano moral coletivo, pois não se vislumbra ofensa a direitos difusos ou coletivos, sendo certo que a demanda em testilha visa a tutela de direitos individuais homogêneos, que, por sua natureza, não são compatíveis com essa espécie de dano extrapatrimonial”, afirmou.
A magistrada acrescentou, porém, que o não reconhecimento do dano moral coletivo não retira a gravidade do evento nem isenta a empresa de eventual responsabilidade por ofensa a direitos individuais homogêneos dos consumidores.
“Não se está, na hipótese, isentando o fornecedor da responsabilidade pelo vício do produto que colocou no mercado e que possui a potencialidade de causar danos individualmente considerados, sejam materiais, sejam morais, a serem oportunamente apurados”, disse ela.
Leia o acórdão no REsp 1.968.281.
Com informações do STJ