Com base em precedentes da própria corte e do Supremo Tribunal Federal (STF), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso interposto pela defesa da empresária Helga Irmengard Jutta Seibel – proprietária da fabricante de bebidas Cerpasa, sediada em Belém – para declarar ilícitos dois relatórios de inteligência financeira juntados ao inquérito que investiga suposta prática de lavagem de dinheiro.
Produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), os relatórios foram usados pela polícia ao fundamentar o pedido de autorização judicial para uma diligência de busca e apreensão contra a empresária.
Na decisão, tomada por maioria, o colegiado estabeleceu que a autoridade policial não pode solicitar relatórios de inteligência financeira diretamente ao Coaf, sem autorização da Justiça.
Segundo o ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator do caso, esse entendimento não se confunde com a posição adotada em repercussão geral pelo STF, que, ao julgar o Recurso Extraordinário 1.055.941, considerou lícito o compartilhamento de informações por parte da unidade de inteligência financeira do Brasil – o Coaf – e da Receita Federal com os órgãos de persecução penal, mas em outras circunstâncias.
O recurso julgado pela Sexta Turma foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) que negou o habeas corpus com o qual a defesa pretendia ver declaradas a ilicitude dos relatórios e a nulidade das provas obtidas na busca e apreensão, o que poderia levar ao trancamento do inquérito.
A Corte estadual entendeu que a solicitação de compartilhamento de informações ao Coaf, por parte da autoridade policial, seria constitucional, desde que feita por meio de comunicação formal – o que teria ocorrido na investigação.
INICIATIVA DO COMPARTILHAMENTO DEVE SER DOS ÓRGÃOS FISCALIZADORES
No entanto, o ministro Antonio Saldanha Palheiro fez uma distinção entre a situação analisada no recurso em habeas corpus e o caso julgado pelo STF, que amparou a decisão do TJPA.
De acordo com o magistrado, as teses adotadas pelo STF significam que é possível o compartilhamento dos relatórios de inteligência do Coaf e da íntegra dos procedimentos fiscalizatórios da Receita Federal com os órgãos de persecução penal, se essas instituições, no curso de seu trabalho administrativo, identificarem indícios de ilegalidades.
“No presente caso, constata-se que o órgão policial requisitou diretamente ao Coaf relatórios de inteligência financeira sem autorização judicial, em uma situação diversa da qual foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal”, alertou o ministro.
TERCEIRA SEÇÃO TEM PRECEDENTE SOBRE REQUISIÇÃO DO MP À RECEITA FEDERAL
O relator observou que o quadro descrito no recurso se assemelha ao que foi analisado pela Terceira Seção do STJ no RHC 83.233, em que o Ministério Público requisitou diretamente à Receita Federal o envio da declaração de Imposto de Renda de determinadas pessoas, o que foi considerado ilícito.
Naquele julgamento, ocorrido no ano passado, a seção de direito penal do STJ proclamou que “a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário 1.055.941, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão. As poucas referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade”.
Assim, concluiu Saldanha Palheiro, “o presente recurso em habeas corpus deve ser provido para declarar a ilicitude dos relatórios de inteligência financeira solicitados diretamente pela autoridade policial ao Coaf”.
O Ministério Público Federal opôs embargos de declaração contra a decisão que proveu o recurso em habeas corpus, os quais pendem de julgamento.
Leia o acórdão no RHC 147.707.