Para busca pessoal sem mandado judicial, exige-se fundada suspeita, baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto, de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência da diligência.
Assim entendeu a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao conceder Habeas Corpus para absolver um homem que foi condenado em primeira e segunda instâncias a cinco anos e dez meses de prisão, em regime inicial fechado, por tráfico de drogas.
De acordo com os autos, policiais militares em patrulhamento avistaram o acusado em um local conhecido por ser ponto de tráfico. Na ocasião, o homem teria demonstrado nervosismo, o que motivou a abordagem. Com o réu, foram encontradas 29 pedras de crack (3,95 gramas), um papelote com cocaína (0,7 gramas) e R$ 472.
A defesa sustentou a ilicitude da prova em razão de busca pessoal ilegal. A ministra concordou com a tese e disse que a busca pessoal, de acordo com o § 2º do artigo 240 do CPP, só pode ser realizada quando houver fundada suspeita de que a pessoa oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas alíneas “b” a “f “e “h” do § 1º do mesmo dispositivo.
Já o artigo 244 do CPP, prosseguiu Laurita Vaz, prevê que a busca pessoal, como medida autônoma, não dependerá de mandado prévio se houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito.
“A propósito, no dia 19/4/2022, foi julgado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça o RHC 158.580, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, ocasião em que foram estabelecidos parâmetros e diretrizes a fim de que seja reconhecida a existência de ‘fundada suspeita’ e, portanto, tenha-se como devidamente justificada e aceitável juridicamente a busca pessoal, refutando a hipótese em que a revista esteja amparada em mera ‘atitude suspeita’, não descrita objetivamente nos autos”, disse.
No caso em questão, analisando o auto da prisão em flagrante, a sentença e o acórdão do TJ-SP, a relatora observou que a busca pessoal foi baseada apenas em “atitude suspeita”, consistente no mero fato de o paciente ter sido abordado em local conhecido pela prática de tráfico de drogas, além de ter demonstrado nervosismo ao avistar os policiais.
“Não vislumbro elementos indiciários suficientes do cometimento de delitos, ainda que permanentes, que justifiquem a abordagem. Não consta do acórdão atacado ou da sentença condenatória que os agentes públicos teriam visualizado o réu vendendo drogas ou mesmo praticando qualquer outro crime, sendo que a posterior situação de flagrância não legitima a revista pessoal amparada em meras suposições ou conjecturas.”
Assim, considerando que as provas coletadas por meio da busca pessoal são ilícitas, a ministra disse que a própria demonstração da materialidade e da autoria delitiva está viciada, o que impõe a declaração de nulidade do processo e a absolvição do paciente.
Relembre o caso
Em agosto deste ano, o TJ-SP confirmou, por maioria de votos, a condenação do acusado. Para o relator do acórdão, desembargador Xisto Rangel, não houve ilegalidade na abordagem. “Os policiais reportaram que a atitude do acusado foi suspeita, indicativa de que ele tivesse algo consigo, no caso drogas, já que se tratava de ponto de tráfico”.
Segundo o magistrado, impedir que a PM aborde pessoas em atitudes suspeitas seria como “castrar a efetividade do enfrentamento à criminalidade”. Ele também ressaltou que a busca pessoal não tem a mesma estatura da busca domiciliar, esta, sim, condicionada pela Constituição Federal à prévia expedição de mandado judicial.
Na ocasião, o relator sorteado, desembargador Marcelo Semer, ficou vencido. Ele votou para anular a revista pessoal e as provas colhidas no ato, resultando na absolvição do acusado. Para o magistrado, não ficou demonstrada a “fundada suspeita” a ensejar a revista pessoal — mesmo entendimento adotado pela ministra Laurita Vaz.
“A busca pessoal deve ser motivada pelas circunstâncias concretas do caso, ou seja, necessário que haja forte justificativa a subsidiá-la, não se prestando a tanto o simples argumento de que o acusado demonstrava ‘nervosismo, ao perceber a presença da viatura’, como descrito na denúncia, ou por ter ele se levantado e caminhado, como relataram os policiais em juízo”, afirmou Semer.
O desembargador citou o mesmo precedente que Laurita Vaz (RHC 158.580), e disse ser imprescindível que a fundada suspeita esteja vinculada ao fato de o indivíduo estar na posse de algo ilícito: “Deve haver justa causa específica a indicar a necessidade da busca pessoal, e não o inverso, como no caso em apreço, abordagem e busca pessoal visando a especular indiscriminadamente, sem objetivo pré-definido”.
Xisto Rangel não concordou com a aplicação do precedente do STJ citado por Semer e falou em mais uma forma de culpar a sociedade pelas agressões cometidas contra ela própria ou “mais um meio de justificar o crime e o criminoso com base em um ethos de secular relativismo ou até mediante exercício de preconceito moral invertido”.
Com informações da Conjur