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MUDANÇA NA LEI: Trabalhador com acesso gratuito à Justiça não deve pagar honorários, diz STF

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Os dispositivos da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) que preveem o pagamento de custas processuais, honorários advocatícios e perícias de sucumbência aos perdedores dos litígios beneficiários da gratuidade judicial configuram impedimento de acesso à justiça aos mais pobres.

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, declarou nesta quarta-feira (20) a inconstitucionalidade do caput e do parágrafo 4º do artigo 790-B e do parágrafo 4º do artigo 791-A da Consolidação das Leis do Trabalho. A Corte também declarou a constitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 844. Os dispositivos foram inseridos na CLT pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017). O ministro Alexandre de Moraes foi designado redator do acórdão.

O caput do artigo 790-B estabelece que “a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita”. O parágrafo 4º do dispositivo prevê que a União só arcará com tais custos no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa.

Já o parágrafo 4º do artigo 791-A tem a seguinte redação: “Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”.

Por sua vez, o artigo 844, parágrafo 2º, que foi validado pelo STF, fixa que, na ausência do reclamante, mesmo se beneficiário da justiça gratuita, ele será condenado ao pagamento das custas judiciais, salvo se comprovar, no prazo de 15 dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.

Votaram pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber.

Entendimento

Fachin abriu a divergência ao relator, Luís Roberto Barroso, em 2018. “É preciso restabelecer a integralidade do acesso à Justiça, conforme prevê a Constituição. É muito provável que esses cidadãos não reúnam as condições mínimas necessárias para reivindicar seus direitos perante a Justiça do Trabalho com as mudanças introduzidas”, disse, ao votar pela procedência total da ação direta de inconstitucionalidade da Procuradoria-Geral da República.

Na sessão desta quarta, Alexandre de Moraes apresentou posição intermediária, que prevaleceria, entre a de Barroso e a de Fachin. O ministro concordou com a divergência ao declarar a inconstitucionalidade do caput e do parágrafo 4º do artigo 790-B e do parágrafo 4º do artigo 791-A da CLT. Mas apoiou o relator para validar o parágrafo 2º do artigo 844.

Para Alexandre, não é razoável nem proporcional a imposição do pagamento de honorários periciais e de sucumbência pelo beneficiário da justiça gratuita sem que se prove que ele deixou de ser hipossuficiente.

De acordo com o ministro, entender que o fato de alguém ser vencedor de um processo retira a sua hipossuficiência viola o artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal. O dispositivo determina que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Alexandre também citou que a legislação prevê situações em que o beneficiário da justiça pode ser chamado a cobrir custas judiciais ao fim do processo, caso tenha recursos.

“No quadro dramático de pobreza no Brasil, não ter acesso à Justiça para fazer valer seus direitos não parece uma limitação válida e constitucional”, disse Cármen Lúcia, que seguiu Alexandre de Moraes.

Também nessa linha, Dias Toffoli disse que, “em um país com alta desigualdade social, é fundamental que o Poder Judiciário se faça presente no sentido de trazer acesso à justiça às pessoas que não o têm”.

Toffoli questionou a alta do dólar e queda da Bolsa com notícias como a de que o gasto total com benefícios sociais em 2022 deve ficar em cerca de R$ 84 bilhões se o Auxílio Brasil for fixado em R$ 400 mensais, como sugere o governo federal. “Que país nós queremos?”

E ressaltou os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no artigo 3º da Constituição: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ricardo Lewandowski, que, ao lado de Rosa Weber, seguiu Fachin pela procedência total da ADI, disse que a Constituição não permite a imposição de obstáculos ao acesso à justiça com o objetivo de diminuir o número de processos trabalhistas ou os gastos com o Judiciário.

“Se o número de processos é elevado, isso também reflete o elevado número de inadimplemento de direitos trabalhistas por empregadores. Ninguém entra no Judiciário para buscar direitos sabidamente inexistentes. E a legislação já tem instrumentos para coibir a litigância de má-fé.”

Por sua vez, Rosa Weber destacou que os dispositivos da reforma trabalhista restringem o acesso à justiça e geram resultados socialmente indesejáveis, como o desestímulo de funcionários lutarem por seus direitos, em proveito exclusivo de interesses econômicos de grandes empregadores, responsáveis pela litigância em massa em outros setores do Judiciário.

A ministra também avaliou que, em termos comparativos, a Justiça do Trabalho é mais eficiente do que a Justiça Comum. Então, o argumento de que a atribuição de encargos aos trabalhadores visa a reduzir o número de ações não se sustenta.

Restrição constitucional

Ficaram parcialmente vencidos os ministros Luís Roberto Barroso (relator), Luiz Fux, Nunes Marques e Gilmar Mendes. Eles votaram pela declaração de constitucionalidade do artigo 790-B, caput e parágrafo 4º, do artigo 791-A, parágrafo 4º, e do artigo 844, parágrafo 2º, da CLT.

Em seu voto, apresentado em 2018, Barroso entendeu que os dispositivos são uma forma de levar os trabalhadores a pensar de forma mais responsável antes de ingressar com uma demanda judicial.

Na sessão desta quarta, o relator argumentou que os dispositivos não ameaçam o acesso à justiça. “Não há nenhum risco de negativa de acesso à Justiça. O que se prevê é o que o trabalhador hipossuficiente pode ajuizar sua ação na Justiça do Trabalho sem pagar custas. Se ele perder a ação, não paga nada. Apenas se ele, em outra ação, ganhar um volume de recursos superior ao teto da Previdência Social [R$ 6.433,57], terá que gastar 30% do que ganhou para pagar os honorários do advogado da outra parte e da perícia.”

Barroso explicou que, ao julgar um processo, analisa quem paga a conta. Segundo ele, a taxa judiciária cobre 10% do custo do Justiça — o resto é arcado pela sociedade, via tributos. No Brasil, disse o relator, 50% da arrecadação ocorre via impostos sobre o consumo, os quais ricos e pobres pagam no mesmo percentual. “Como tem muito mais pobres do que ricos no país, sempre que algo é pago pelo Erário, é pago pelos pobres”, declarou.

“Essa escolha minha [de que o hipossuficiente pode pagar honorários periciais e de sucumbência ao ganhar mais do que o teto da Previdência Social] foi legítima porque algum pobre vai pagar essa conta. Assim, é mais legítimo que [quem pague] seja o pobre que vai iniciar o litígio”, afirmou Barroso, ressaltando a importância de algum grau de desestímulo à litigância.

Nesta quarta, Nunes Marques opinou não haver afronta ao devido processo legal e à gratuidade da justiça. Para ele, os dispositivos da reforma trabalhista visam coibir a litigância de má-fé.

Gilmar Mendes expressou visão semelhante. “Não há restrição ao acesso à justiça. O que se busca é um equilíbrio, tendo em vista a responsabilidade de todos de custear o sistema.”

Em voto-vista apresentado em 14 de outubro, Luiz Fux apontou que a gratuidade de justiça não é um fim em si mesmo, mas um meio de assegurar o acesso à justiça. E tal garantia deve ser usada de forma razoável, destacou o ministro, criticando ações temerárias e medidas para estender a duração dos processos, como pedidos de perícia feitos sem fundamentação e recursos sem o risco de, em caso de derrota, ter que pagar custas.

Na visão de Fux, a reforma trabalhista, ao exigir o pagamento de custas e honorários de sucumbência dos trabalhadores que perderem os litígios, estabeleceu um acesso responsável à Justiça. Com isso, gerou a queda de ações trabalhistas, aumentando a eficiência da Justiça do Trabalho, declarou o presidente do Supremo.

Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, entre janeiro e outubro de 2019, foram abertos 1,5 milhão de novos processos. No mesmo período de 2017, as varas do trabalho contavam com 2,2 milhões de ações.

Trabalhador protegido

O colunista da ConJur Ricardo Calcini elogiou a decisão. “Esse histórico julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal trará um impacto paradigmático para as novas e futuras ações trabalhistas, promovendo uma verdadeira avalanche de novas reclamatórias que estavam até então represadas por força do pagamento dos honorários pelo trabalhador tido por beneficiário da gratuidade judiciária”.

Conforme Calcini, a decisão do Supremo permite que trabalhadores peçam de volta os valores que destinaram para fins de pagamento aos advogados das empresas.

Clique aqui para ler a ementa do voto de Barroso
Clique aqui para ler o voto de Fachin
ADI 5.766

Com informações da Conjur

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