O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), foi afastado do cargo no domingo (8), por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão seguiu jurisprudência da Corte estabelecida em 2017. Antes disso, a suspensão de chefe do Executivo estadual dependia de aval da Assembleia Legislativa.
Após os atos terroristas contra o STF, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, o presidente Lula (PT) decretou intervenção federal no Distrito Federal, e Alexandre afastou Ibaneis do cargo por 90 dias. Segundo o ministro, houve “omissão e conivência” de diversas autoridades da área de segurança e inteligência. Policiais militares do DF, subordinados a Ibaneis, não barraram os manifestantes que invadiram e depredaram as sedes do Judiciário, Legislativo e Executivo.
“O descaso e conivência do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e, até então, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres — cuja responsabilidade está sendo apurada em petição em separado — com qualquer planejamento que garantisse a segurança e a ordem no Distrito Federal, tanto do patrimônio público — Congresso Nacional, Presidência da República e Supremo Tribunal Federal — só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do governador do DF, Ibaneis Rocha”, disse Alexandre, relator do caso. O Supremo formou maioria nesta quarta-feira (11) para manter o afastamento de Ibaneis.
Originalmente, a Constituição Federal de 1988 e as constituições estaduais não permitiam o afastamento de governador sem aval do Legislativo. Foram propostas diversas ações contra dispositivos de constituições estaduais que estabeleciam a necessidade de autorização da Assembleia Legislativa para a instauração de processo penal contra governador — e a sua consequente suspensão do cargo.
Algumas tramitavam desde 1990, mas o primeiro caso analisado (ADI 5.540) chegou em 2016 ao STF corte e discutia o caso do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). O Supremo concluiu que a abertura de ação penal contra governador não depende do aval do Legislativo. Essa decisão cabe à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, inclusive sobre a aplicação de medidas cautelares e sobre o afastamento do cargo. Os ministros estabeleceram ainda que o chefe do Executivo não deve ser automaticamente afastado após a abertura do processo.
Nesse julgamento, que aconteceu em maio de 2017, os ministros definiram também que a decisão poderia ser aplicada monocraticamente em todos os casos em tramitação. E definiram a tese:
“Não há necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa e instauração de ação penal contra governador de estado, por crime comum, cabendo ao STJ, no ato de recebimento ou no curso do processo, dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo.”
Em dezembro de 2017, a Corte Especial do STJ aceitou a denúncia contra o governador Fernando Pimentel, mas não viu motivos para afastá-lo do cargo.
Em regra, cabe ao STJ decidir sobre o afastamento de governador. No caso de Ibaneis Rocha, contudo, a decisão coube ao Supremo devido à inclusão dele no inquérito dos atos antidemocráticos.
Governadores afastados
Desde a decisão do STF, o Superior Tribunal de Justiça afastou quatro governadores. Todas as medidas foram determinadas por decisões monocráticas, posteriormente referendadas pela Corte Especial.
No fim de 2018 e de seu mandato, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), foi afastado do cargo e preso preventivamente a mando do ministro Felix Fischer. No pedido de prisão, a Procuradoria-Geral da República argumentou que o esquema de corrupção estruturado pelo ex-governador Sérgio Cabral (MDB) foi mantido por Pezão e seguia ativo. Solto, o governador poderia dificultar ainda mais a recuperação dos R$ 39 milhões que supostamente recebeu de propina, disse a PGR.
Em 2020, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), foi afastado do cargo por 180 dias por decisão do ministro Benedito Gonçalves. O magistrado afirmou que a medida — tomada antes de ouvir o político — era necessária para impedir que ele usasse a máquina estatal para seguir praticando crimes de corrupção e dilapidando os cofres públicos. No entanto, o ministro negou pedido de prisão preventiva do governador feito pelo Ministério Público Federal. A decisão gerou controvérsia no meio jurídico.
Witzel foi condenado à perda do cargo pelo Tribunal Especial Misto, em abril de 2021, por crimes de responsabilidade em fraudes na compra de equipamentos e celebração de contratos durante a epidemia de Covid-19.
No ano seguinte, o ministro Mauro Campbell afastou Mauro Carlesse (PSL) do cargo de governador do Tocantins pelo prazo de 180 dias, em decorrência de apuração de pagamento de propina e obstrução de investigações. Carlesse era investigado por integrar e chefiar organização criminosa responsável por movimentar propina no âmbito de plano de saúde dos servidores estaduais e incorporar recursos públicos desviados, tudo com a participação de secretários estaduais e policiais civis. Meses depois, Carlesse renunciou ao posto.
Já em 2022, em plena campanha à reeleição, o governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB) foi afastado do cargo por decisão da ministra Laurita Vaz. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal acusavam o governador de chefiar uma organização criminosa responsável por desvios de servidores fantasmas na Assembleia Legislativa alagoana, à época em que era deputado estadual.
O afastamento de Dantas durante as eleições gerou críticas. O jurista Lenio Streck ressaltou que nem havia denúncia do MP e disse que a medida impactava o pleito.
Na semana antes do segundo turno, entretanto, os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, do STF, revogaram o afastamento do emedebista. Gilmar considerou que a legislação eleitoral não permitiria tal medida contra um candidato à reeleição às vésperas do pleito. Já Barroso entendeu que havia dúvida razoável sobre a competência do STJ para tomar a decisão.
Paulo Dantas foi reeleito governador de Alagoas. O candidato obteve 52,33% dos votos e derrotou o senador Rodrigo Cunha (União Brasil) no segundo turno das eleições.
Prisão de governantes
A possibilidade de deter provisoriamente autoridades ainda é tema controverso, que sofreu diversas alterações desde a promulgação da Constituição Federal. Ela estabelece que o presidente da República só pode ser preso após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ele também apenas vira réu em ação penal por crime comum no Supremo Tribunal Federal caso dois terços da Câmara dos Deputados aceitem a denúncia. Nesse cenário, o presidente é afastado do cargo até a decisão do STF. Se isso não ocorrer em até 180 dias, ele reassume o posto.
Diversas constituições estaduais repetem essas regras para seus governadores. Entre elas, a do Rio de Janeiro. O artigo 147, II, parágrafo 3º, da Constituição fluminense afirma que, “enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações penais comuns, o governador do estado não estará sujeito à prisão”. O caput do mesmo dispositivo diz que, se o Legislativo aceitar a denúncia, a ação penal por crimes comuns será julgada pelo STJ.
Mas a jurisprudência vem mudando a Constituição do Rio. Em 1995, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 147, inciso II, parágrafo 3º, do texto. Na ação direta de inconstitucionalidade 1.022, os ministros definiram que as constituições estaduais não podem dar aos governadores a mesma imunidade que os presidentes da República têm. Só a Constituição Federal poderia fazê-lo, ficou decidido.
Ao comentar a prisão preventiva do então governador do Rio Luiz Fernando Pezão, no fim de 2018, Lenio Streck, constitucionalista e colunista da ConJur, afirmou que a medida era legal. “Qualquer norma de constituição estadual que imuniza governador de prisão é inconstitucional. Só a Constituição Federal poderia dispor disso”, explica.
Mas o criminalista Fernando Augusto Fernandes discordou da interpretação do Supremo na ADI 1.022. “A constituição do estado é aplicável todas as vezes que ela tiver simetria com a Constituição Federal. Então, tendo em vista que a Constituição Federal impede que o presidente da República sofra qualquer processo enquanto no cargo, e, portanto, também não pode ser preso, e a Constituição do Rio trazia essas garantias simétricas ao governador, entendo que essa regra é constitucional”.
Caso Arruda
Uma decisão emblemática nesse sentido foi a prisão preventiva do então governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (DEM), em 2010. Acusado pela PGR de tentar subornar o jornalista Edson Sombra, testemunha do esquema de corrupção que atingiu o governo do DF, empresários e deputados distritais, Arruda teve sua detenção decretada pelo STJ.
Na época decano do STJ, o ministro Nilson Naves questionou a possibilidade de o tribunal determinar prisão de governador sem ouvir o Legislativo local. Naves argumentou que, não sendo o STJ competente para iniciar a ação penal contra o governador, não pode, portanto, determinar prisão preventiva, pois o inquérito presidido na corte já havia sido concluído.
Contudo, prevaleceu o entendimento da ministra Eliana Calmon. Ela baseou seu ponto em um precedente do STF, o Habeas Corpus 89.417. Relatado pela ministra Cármen Lúcia, o julgamento relativizou a necessidade de se ouvir o Legislativo local para decretar prisão de governador. A detenção de Arruda foi mantida pelo Supremo.
Com informações da Conjur