O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a soltura de uma mulher, mãe de criança de cinco anos, presa por mais de 100 dias por furto de água, em Minas Gerais. Ela e o companheiro teriam rompido lacre de hidrômetro e realizaram ligação clandestina para utilizar água tratada. Pelos fatos, foram presos em flagrante em julho deste ano.
O habeas corpus foi impetrado pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DP-MG) depois de um bilhete da mulher recebido por defensora que fazia inspeção na unidade prisional.
Na decisão, o ministro considerou que a natureza do crime, praticado sem violência ou grave ameaça, aliado à situação da mulher, mãe de criança, indica que a manutenção da medida cautelar extrema não se mostra adequada e proporcional.
“Como nenhum homem ou mulher poderá ser privado de sua liberdade de ir e vir sem expressa autorização constitucional e de acordo com os excepcionais e razoáveis requisitos legais, pois o direito à liberdade de locomoção resulta da própria natureza humana, (…) o presente Habeas Corpus é meio idôneo para garantir todos os direitos legais previstos ao paciente e relacionados com sua liberdade de locomoção.”
Concedeu, assim, a ordem, para revogar a prisão preventiva decretada contra a paciente nos autos da ação penal 0001967- 46.2021.8.13.0248. O ministro ressaltou que fica autorizado ao juízo competente a imposição de cautelares diversas.
Caso excepcional
A defensora pública Alessa Veiga foi quem ingressou com Habeas Corpus em favor da paciente. Embora no processo conste advogada dativa da cidade de Estrela do Sul, a defensora é responsável por atuar em inspeção na unidade prisional. Em uma dessas visitas, ela teria recebido um bilhete da mulher presa contando sua situação. Alessa, atuando como custos vulnerabilis, ingressou com o habeas.
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), o pedido foi indeferido porque não havia sido juntada aos autos a certidão de nascimento da criança. Posteriormente, pelo mesmo motivo, foi negada liminar também no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em sua decisão, Moraes observou que, em regra, incidiria óbice ao conhecimento da ordem, uma vez que impugnada decisão monocrática de ministro do STJ, e o exaurimento da instância recorrida é pressuposto para ensejar a competência do Supremo.
Para ele, por sua vez, trata-se de caso excepcional. “O essencial em relação às liberdades individuais, em especial a liberdade de ir e vir, não é somente sua proclamação formal nos textos constitucionais ou nas declarações de direitos, mas a absoluta necessidade de sua pronta e eficaz consagração no mundo real, de maneira prática e eficiente.” Para ele, não houve, no caso, compatibilização entre a Justiça Penal e o direito de liberdade.”
O caso
A mãe da criança já estava presa havia mais de noventa dias quando entregou o bilhete a Alessa. O caso chamou a atenção da defensora, que ingressou com HC.
Ela explica que não foi juntada certidão de nascimento da criança porque familiares não tinham o documento. Mas, como no boletim de ocorrência constavam os dados da criança, a defensora considerou que seria desnecessária a juntada.
Mas foi negada liminar justamente pela falta da certidão, tanto no TJ quanto no STJ. A defensora, então, buscou o cartório utilizando prerrogativa de requisição para solicitar a certidão. O documento foi apresentado no HC impetrado no STF.
“Precisamos da prerrogativa de requisição para conseguir certidão de nascimento, para ter juntado no processo e para o Supremo ter aceitado que ela fosse mãe, apesar de, neste caso concreto, a Defensoria entender que era desnecessário, pois já tinham todos os dados no Boletim de Ocorrência. A palavra do policial foi utilizada para aceitar o desacato, a resistência e mantê-la presa, mas não foi aceita para que servisse como prova de que ela era mãe.”
Alessa conta que este não é um caso isolado. Ao chegar no pavilhão, teve notícias de mulher presa por furto de um porco, outras cumprindo pena em cidade distante dos filhos, ou ainda que eram primárias e estavam presas por tráfico. “Não é um caso isolado, é um caso entre muitos outros que nós trabalhamos todos os dias”, destaca.
Processo: HC 208.999
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Com informações do Migalhas