O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cancelou a suspensão nacional de processos em instâncias inferiores que discutem a prevalência do negociado sobre o legislado. Em decisão publicada no último dia 5 , ele afirma que não há mais sentido em manter essa suspensão, determinada por ele em setembro de 2019, uma vez que o caso já foi julgado pelo Pleno.
Existem, atualmente, 66 mil processos sobre o tema em todo o país. Em junho, o STF decidiu que os acordos e convenções coletivas se sobrepõem à legislação existente desde que não afetem direitos trabalhistas previstos na Constituição, como salário, seguro-desemprego, licença-maternidade e FGTS. O processo foi julgado em repercussão geral e deve ser aplicado em todo o Judiciário.
Como não havia essa liberação formal, ainda existia dúvidas se esses processos poderiam prosseguir, o que foram agora sanadas com a sinalização de Gilmar Mendes, que é o relator da ação (ARE 1121633).
Na última decisão de Gilmar Mendes, ele deixa claro que “desde o julgamento de mérito, não mais persiste a suspensão nacional dos processos relacionado ao Tema 1046”. Agora, os processos devem voltar a tramitar no Judiciário.
O Pleno decidiu, por maioria, que deve prevalecer o negociado sobre o legislado. Sete ministros votaram nesse sentido contra dois, com abstenção de Luiz Fux, que se declarou impedido, e a ausência de Ricardo Lewandowski.
O processo julgado pelos ministros tratava das chamadas “horas in itinere” (horas de deslocamento). Eles analisaram uma cláusula do acordo firmado entre empresa e sindicato que previu o fornecimento de transporte para o deslocamento dos empregados até o local de trabalho, mas suprimiu o pagamento referente ao tempo de percurso.
A Mineração Serra Grande, empresa envolvida no caso, vinha de derrotas no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Goiás e no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Desembargadores e ministros haviam considerado a cláusula nula.
Prevaleceu, nesse caso, o voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Ele citou decisões anteriores em que a Corte se posicionou pela prevalência do “negociado sobre o legislado”.
Além disso, o ministro ressaltou que a Justiça do Trabalho interpreta esses casos com base no princípio protecionista — conferido em decorrência da hipossuficiência do empregado. Só que quando se trata de negociação coletiva, com interferência do sindicato, afirmou, há paridade de forças e deve-se aplicar o princípio da equivalência.
Frisou ainda, ao votar, que os acordos são feitos de concessões mútuas e, por esse motivo, não se pode examinar uma cláusula de forma individual.
O entendimento de Gilmar Mendes foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. Os ministros Rosa Weber e Edson Fachin discordaram e ficaram vencidos.
A tese fixada estabelece que “são constitucionais os acordos e convenções coletivas que ao considerarem a adequação setorial negociada pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas independentemente da explicitação de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Dessa forma, pelo entendimento do Supremo, direitos previstos em leis ordinárias, como os da própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), podem ser retirados via negociação entre empregados e empregadores, como horas-extras, intervalo intrajornada, horário de almoço, negociação dos percentuais de adicionais de insalubridade e periculosidade.
Neste caso, fica mantido o que diz o rol taxativo, introduzido com a reforma trabalhista, do que não pode ser negociado no artigo 611-B da CLT — praticamente o que está garantido na Constituição. Já no artigo 611-A existem exemplos do que pode ser negociado. Planos de cargos e salários, regras de teletrabalho, sobreaviso e trabalho intermitente, além de banco de horas e compensação de feriados, dentre eles.
Com informações do Valor