Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) mantiveram, por unanimidade de votos, trechos da Lei Seca e a tolerância zero do consumo de álcool por motorista nas rodovias brasileiras. Além disso, definiram que o condutor não pode se recusar a fazer teste de bafômetro e, caso o faça, pode ser multado e ter a carteira de habilitação suspensa. Por 10 a 1, a Corte também conservou a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas estradas, ressalvados os estabelecimentos localizados em perímetro urbano. O ministro Nunes Marques saiu vencido neste item. Para ele, o artigo viola a livre iniciativa.
A discussão ocorreu no recurso extraordinário 1224374 e nas ADIs 4017 e 4103, votados conjuntamente.
Os ministros fixaram a seguinte tese sobre o assunto: “Não viola a Constituição a previsão legal de sanções administrativas ao condutor de veículo automotor que se recuse à realização dos testes, exames clínicos ou perícias voltados a aferir a influência de álcool ou de outras substâncias psicoativas (artigo 165-A e artigo 277, parágrafo 2º e 3º, todos do Código de Trânsito Brasileiro, redação dada pela Lei 13.281/2016)”
O recurso extraordinário, com repercussão geral, foi ajuizado pelo Departamento de Trânsito do Rio Grande Sul e discutia a validade do artigo 165-A, do Código de Trânsito Brasileiro, o qual estabelece como infração de trânsito a recusa de condutor de veículo a ser submetido a teste do bafômetro. De um lado, o departamento de trânsito gaúcho defendeu que a norma protege o direito fundamental à vida, à integridade física e à segurança do trânsito. Do outro, o condutor sustentou que a obrigatoriedade prejudica a ampla defesa e pode trazer auto-incriminação.
Já a ADI 4017 foi ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio; a ADI 4103, pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel Nacional). Ambas questionavam a constitucionalidade dos artigos da Lei 11.705/08 que tratam das restrições na comercialização e no consumo de bebidas alcoólicas em rodovias e da fiscalização da venda por agentes de trânsito, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
O principal argumento da Abrasel é o de que o Brasil pune quem consumiu apenas uma dose de álcool com o mesmo rigor que alguém que dirigiu embriagado, enquanto outros países oferecem tolerância. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece um limite aceitável de 0,5 g/L no sangue para motoristas em geral e abaixo de 0,2 g/L para condutores com até 21 anos. Antes de 2008, a Lei brasileira tolerava até 0,6 g/L, mas depois ficou mais rígida, com tolerância zero ao álcool.
O procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, se manifestou pela validade das normas. Para ele, a “tolerância zero” para o consumo de álcool de motoristas de veículos decorre da assimilação, pelo legislador, de argumentos científicos sobre os efeitos da ingestão de álcool no discernimento dos motoristas e os dados estatísticos de acidentes de trânsito motivados por essa causa.
“Não houve, data venia, exagero pelo legislador. Houve prudência e zelo com a segurança e a vida da coletividade e do próprio motorista, que tanto sofre com os efeitos nefastos do binômio álcool mais direção. Não existe um direito a dirigir sob efeito de álcool, por menor que seja a quantidade da substância. A liberdade individual não pode ser absoluta ao modo de comprometer a vida, a saúde e a integridade de terceiros. E a sociedade, como um todo, não pode ser colocada em risco por voluntarismos de quem quer que seja”, afirmou Aras durante sustentação oral.
Votos
Os ministros acompanharam o voto do relator, ministro Luiz Fux, no sentido de que a liberdade individual de escolha sobre ingerir bebidas alcoólicas não pode se sobrepor ao direito à saúde e à segurança da coletividade. Fux também refutou os argumentos de que a obrigatoriedade do teste do bafômetro viola a ampla defesa e pode ser usado como autoincriminação. O relator também entendeu que o legislador fez uma escolha pela coletividade ao proibir a venda de bebidas alcoólicas em estradas, ressalvados os estabelecimentos localizados em perímetro urbano. Para ele, a livre iniciativa não pode estar acima da segurança e do direito à vida.
Em seu voto, Fux destacou que o consumo de álcool é sempre um dos principais fatores de risco de graves acidentes rodoviários e que a tolerância zero não é exclusividade do Brasil, tanto que o país é um dos mais um dos 130 que usam o etilômetro. “A premissa de que a Lei Seca acaba por prejudicar terceiros não pode ser admitida por não ser possível ser aferido em que nível começa a alterar a capacidade de discernimento das pessoas que dirigem veículos”, afirmou.
Na visão de Fux, a norma em vigor é adequada e também de saúde pública. Segundo ele, houve uma redução de 20% dos casos fatais no Brasil desde a regra de tolerância zero. Quanto à adoção do etilômetro (bafômetro), elogiou os avanços tecnológicos do equipamento e disse que eles são tecnicamente confiáveis.
Acompanharam integralmente o relator os ministros: André Mendonça, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Ao concordar com o relator, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que a Lei Seca veio resolver um problema social. Já o ministro Luís Roberto Barroso destacou que a lei já está vigente desde 2016 e ela “pegou”, evitando acidentes e mortes. O ministro Edson Fachin defendeu que a lei atende os princípios constitucionais de proteção à vida e à saúde.
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que não vê conflito de interesse entre as normas e a autoincriminação e disse que para cada ramo de comércio ou serviço é preciso seguir determinadas regras. Por isso, não há violação à livre iniciativa.
O ministro Nunes Marques concordou parcialmente com Fux porque, para ele, proibir a venda de bebida alcoólica nas estradas fere a livre iniciativa.
Com informações do Jota