Professora do ensino médio em Belo Horizonte, Aliandra Cleide Vieira não imaginava que, dez anos depois, uma ação ingressada por ela na Justiça contra o Google chegaria ao STF (Supremo Tribunal Federal). Entre hoje e amanhã, será realizada uma audiência pública para discutir, entre outros temas, se as redes sociais devem ter responsabilidade – e até ser punidas – por publicações ofensivas.
A professora quer que a empresa seja responsabilizada por não ter tirado do ar uma comunidade no Orkut criada contra ela, chamada “Eu odeio a Aliandra”, de 2009.
“Reitero meu posicionamento de responsabilização do provedor de internet, já que a única atitude que eu esperava, e não aconteceu, era a suspensão da comunidade virtual criada para atacar uma professora, a qual, enquanto ser humano e profissional da educação, merecia o mínimo de respeito”, diz Aliandra Vieira.
O julgamento no STF é considerado um dos mais importantes sobre internet na década, por ser de repercussão geral. O que for decidido pela Corte deverá ser acatado por todos os julgadores nas demais instâncias em casos semelhantes.
Se Aliandra vencer, existirá o entendimento de que plataformas administradas por empresas como Google, Facebook, Instagram, Twitter e TikTok, por exemplo, deverão ser responsáveis pelo que os usuários compartilham.
“Não tinha noção da importância do caso para a relação daqui em diante entre redes virtuais e usuários. Fico um pouco mais tranquila que tudo o que ocorreu, há mais de dez anos, seja relevante para julgamentos futuros de cenários semelhantes”.
“Todo esse processo, na época, foi extremamente desgastante”, completou.
A batalha Aliandra x Google
A ação de Aliandra contra o Google tramita desde janeiro de 2020 na Justiça. Ela ganhou a causa na primeira e na segunda instância, em Minas Gerais. A big tech recorreu. Por isso a batalha foi parar no STF.
A professora decidiu pedir indenização ao Google por considerá-lo corresponsável pela comunidade “Eu odeio a Aliandra” no Orkut, rede social que a empresa era dona.
Antes do processo, ela enviou uma carta extrajudicial ao Google com o pedido de retirada da comunidade. Não foi atendida. Para o Google, a empresa não é responsável pelo conteúdo criado por terceiros.
Com a falta de uma resposta satisfatória, a professora decidiu tentar uma saída na justiça. Em 2010, ela diz que sentia que uma “onda de ódio que crescia em meio a todo esse cenário.”
“Atitudes de ódio são tomadas e, devido ao fato de o ciberespaço permitir o anonimato de agressores, o que já dificulta a identificação desses, o provedor de internet, sem tomar nenhuma atitude, assume um papel de conivência quanto àquela violência verbal, tornando-se cúmplice dessas ações criminosas, além de dificultar o direito de defesa da própria vítima”, disse Aliandra.
Ao condenar a big tech, a Justiça de Minas Gerais avaliou que a empresa não tinha responsabilidade sobre o conteúdo. Mas que, ao ser avisada sobre a ofensa pela professora, se tornou sujeita à responsabilização, sendo assim obrigada a pagar indenização.
“A falta de atitude do Google, assim, apenas corrobora para a sensação de impunidade trazida pelas redes virtuais, o que demonstra ser um quadro preocupante para as futuras gerações”, diz.
Apoio ao recurso do Google
O posicionamento de Aliandra vai além de conseguir convencer o STF contra o Google. Isso porque algumas entidades civis (como Artigo 19, Abraji, Intervozes) defendem que empresas de tecnologia não devem ser responsáveis por fiscalizar e remover conteúdos compartilhados por usuários.
Eles entendem que os provedores de internet poderiam tirar publicações do ar sem motivo claro. O receio é de que as empresas privadas teriam muito poder sobre o que é dito nas redes. Em alguns casos, poderiam ser arbitrárias e ir contra a liberdade de expressão.
Alessandro Vieira, advogado de Aliandra, considera que, com esse apoio ao lado do Google, a batalha pode ficar desequilibrada.
“Sem dúvida alguma em muito se assemelha ao conflito da história bíblica [Davi contra Golias]. Existem muitos interesses que dependem desse julgamento”, disse o advogado de Aliandra.
“Entretanto, confiamos na nossa tese e acreditamos que há de prevalecer, pois a dignidade da pessoa humana está sob julgamento”, completa o advogado.
A partir desta terça-feira (28), os ministros vão ouvir 47 entidades sobre o recurso do Google x Aliandra. Mas não só isso. Outro caso parecido envolvendo o Facebook também estará na pauta.
A dona de casa Lourdes Pavioto Corrêa decidiu processar a empresa responsável pela rede social, pois ela não tirou do ar um perfil fake que usava seu nome e imagem para publicar conteúdos ofensivos.
Com informações do Uol