Sei que se trata de um espaço curto, insuficiente, para falar sobre a contribuição de José Augusto Delgado para o Direito. Não tenho dúvida que a tarefa exige um trabalho de maior envergadura, inclusive com uma segmentação no correr do tempo e de conteúdo. Por isso, neste instante, escolhi uma singularidade, qual seja a predileção do mestre em se lançar ao preenchimento das lacunas que as formulações teóricas, por variadas razões, não conseguem fazê-lo. Assim, demonstrava que quem faz o caminho é o andarilho.
Refiro-me aqui ao precursor artigo “Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional”, publicado na Revista de Direito Administrativo (vol. 153, pp. 259-270, julho/setembro de 1983). Nele foi o mestre – e bastante – além da descrição das teorias que informam o desenvolvimento da responsabilização do Poder Público. Sem medo de parecer herético para a época, especialmente em virtude de sua condição de magistrado, e tomando como ponto de partida a análise da teoria da culpa administrativa (fauteduservice), visualizou a demora excessiva em decidir como uma prestação jurisdicional imperfeita e, por isso, capaz de ensejar a possibilidade de que o Estado (melhor, a coletividade) viesse, conforme o caso concreto, a responder por isso.
Daí que, muito antes da aura de Estado constitucional sobrevinda com a Constituição de 1988, afirmou: “O direito não deve ser um mero esquema de organização social, conforme defendeu Kelsen e seus adeptos. Ele deve atingir os anseios do homem que estão tutelados por seus princípios, disciplinando o agir humano no âmbito da sociedade e resolvendo todas as questões conflitantes que envolvem problemas legais. Assim, no caso da demora na prestação jurisdicional, configura-se, pois, de maneira insofismável, a necessidade de criação jurisprudencial do direito, assegurando ao particular prejudicado a indenização cabível a ser paga pelo Estado” (ibid., p. 269).
Assim, mesmo sabendo que contrariava o pensamento então dominante entre nós, preferiu o mestre acreditar que o Direito, a exemplo das demais ciências, somente prospera sob o impulso das dúvidas e não no das verdades incontestáveis. Valeu a pena.
Prova disso é que, no sistema jurídico português, cujas fontes e critérios interpretativos, até pouco tempo, guardavam enorme semelhança com o direito pátrio, a Lei nº 67/2007, disciplinando o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, previu, por injunção da jurisprudência comunitária, um artigo 12º, dispondo: “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa” (grifos nossos).
O mais interessante é que o mestre Delgado, para legitimar sua proposição, não se limitou a afirmações no plano teórico, antes adotando a preocupação com a celeridade processual durante toda a sua experiência jurisdicional, seja como Juiz de Direito, ou no âmbito da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, no Tribunal Regional Federal da Quita Região e no Superior Tribunal de Justiça, sem esquecer a preocupação com a justiça do caso concreto.
Por isso – e muito mais -, a admiração do jurisdicionado e dos seus discípulos na profissão jurídica.
Edilson Pereira Nobre Júnior, presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) e professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)