Os magistrados das quatro Varas de Execução Penal (VEPs) de Fortaleza realizaram uma inspeção na Unidade Prisional Agente Elias Alves da Silva (UP-IV), localizada em Itaitinga, na Região Metropolitana da Capital.
O objetivo foi apurar denúncias de motins, que teriam ocorrido depois do retorno de integrantes da diretoria da UP-IV, denunciados por violência e maus-tratos contra internos.
“Uma das nossas atribuições é justamente fiscalizar as unidades prisionais, o que fazemos uma vez por mês. Como recebemos denúncias na Corregedoria de Presídios, resolvemos vir aqui para verificar a situação”, explicou a juíza Luciana Teixeira de Sousa, titular da 2ª VEP e coordenadora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
Além da magistrada, acompanharam a inspeção os juízes Cézar Belmino, corregedor-geral de Presídios e titular da 3ª Vara de Execução Penal; Raynes Viana, que está à frente da 1ª VEP; e Fernando Pacheco, responsável pela 4ª Vara de Execução Penal. Eles visitaram as alas da unidade e conversaram com os internos.
“Nossa missão, enquanto Poder Judiciário, é buscar esclarecer, apurar, dentro do nosso limite de competência, e adotar algumas medidas. O que ouvimos é que estavam havendo novamente esses relatos de maus-tratos e o que verificamos foi algumas pessoas com marcas de tiros de borracha, mas que não se sabe o motivo desses tiros terem sido disparados porque ouvimos apenas a versão dos internos. A gente precisa, claro, saber por qual razão o policial atirou, se ele precisou atirar, se foi dentro de um limite de razoabilidade ou não. Tudo isso vamos analisar para avaliar, junto ao GMF, quais medidas serão tomadas”, afirmou a juíza.
No dia 26 de junho deste ano, a Corregedoria de Presídios da Capital havia determinado o afastamento provisório, por 90 dias, do diretor, do vice-diretor, do chefe de segurança e disciplina, além do gerente administrativo da Unidade Prisional Agente Elias Alves da Silva, além de um policial penal diversas vezes citado como partícipe dos atos de violência contra presos.
A medida teve como intuito preservar a integridade física e psicológica dos internos, além de resguardar a coleta de provas, evitando eventual interferência na apuração dos fatos.
“Foi proferida uma decisão de afastamento, 90 dias de prazo total. Nós, enquanto juízes corregedores, temos limitação de competência. Nossa atribuição se encerrou no momento em que decidimos pelo afastamento cautelar, com o objetivo não de investigar a direção, mas de proteger os presos por eventual prática de tortura contra eles, e encaminhamos para os órgãos competentes: Delegacia de Assuntos Internos, Controladoria-Geral de Disciplina e Ministério Público”, esclareceu a magistrada.
A juíza acrescentou que, decorrido o prazo de afastamento, o Poder Judiciário, de ofício, não poderia reabrir o processo arquivado sem um fato novo. A coordenadora do GMF ressaltou que, nesse período, “nem a Defensoria Pública, nem os órgãos de controle, nem nenhuma outra instituição provocou a Corregedoria de Presídios para que reanalisasse o caso e visse a possibilidade de prorrogação desse prazo”. Também salientou que o retorno dos profissionais afastados foi “uma escolha da gestão” da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP).
De acordo com o processo que gerou o afastamento da direção da UP-IV, uma das situações de tortura envolveu um preso que chegou a ser internado no Instituto Dr. José Frota (IJF) após agressões sofridas.
O laudo pericial realizado no dia posterior ao da ocorrência confirmou que ele teria sido atingido com o uso de instrumento contundente, com a presença de feridas na coxa esquerda e joelho direito, compatíveis com ação de munição não letal, bem como escoriação na região da virilha direita e feridas recobertas por curativos na região inferior abdominal, ombro direito e região parietal esquerda.
Conforme familiares dos internos relataram ao Movimento pela Vida de Pessoas Encarceradas do Ceará (Movipece), “policiais penais obrigaram [o preso] a ingerir um remédio que ele não queria tomar por livre e espontânea vontade. Ao perceber que os policiais estavam usando da força, internos da mesma ala começaram a reclamar para que parassem. Porém, na sequência, […] foi atingido com balas de borracha, teve seu maxilar quebrado e os internos que reagiram em seu favor foram encaminhados para a tranca, tendo inclusive suas visitas canceladas”.
Na ocasião, a juíza Luciana Teixeira de Souza recomendou que a SAP sugerisse a participação dos servidores em programa de atendimento psicossocial ou para avaliação do quadro de saúde física e psíquica.
Indicou, ainda, a participação em cursos de formação que envolvam temas como direitos humanos, ética no serviço público, legislação nacional e internacional de defesa da dignidade humana e prevenção da tortura, entre outros temas que valorizem os aspectos ético-normativos da atuação do agente de segurança com o público destinatário das funções que exercem.