A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso anulou, por unanimidade, acórdão proferido pelo próprio colegiado após constatar que a decisão fazia referência a um artigo inexistente do Código Civil. A nulidade foi declarada com base no artigo 489, §1º, inciso IV, do Código de Processo Civil, que exige o enfrentamento de todos os argumentos juridicamente relevantes apresentados pelas partes.
O caso trata de uma ação de rescisão contratual ajuizada por uma empresa prestadora de serviços de construção civil contra uma incorporadora de grande porte. Segundo a autora, o contrato celebrado entre as partes previa a prestação de mão de obra para um empreendimento em Cuiabá, com início em novembro de 2020 e vigência até dezembro de 2021.
A empresa alegou que, a partir de janeiro de 2021, a contratante começou a dificultar a execução dos serviços e a oferecer propostas de trabalho diretamente aos seus funcionários. Em fevereiro, os trabalhadores foram impedidos de acessar a obra, o que teria caracterizado rescisão indireta do contrato.
Na Justiça, a prestadora pleiteou o pagamento de multa contratual de R\$ 245 mil, R\$ 80 mil por danos materiais e R\$ 20 mil por danos morais. A sentença de 1º grau condenou a ré apenas à indenização por dano moral, afastando o pedido de multa por ausência de cláusula contratual específica e negando os danos materiais por falta de provas.
Inconformada, a autora recorreu. Sustentou que, mesmo sem cláusula penal, a rescisão imotivada do contrato atrairia os efeitos do artigo 603 do Código Civil, garantindo-lhe o direito de receber integralmente a retribuição vencida e metade do valor que receberia até o término do contrato.
Durante o julgamento do recurso, realizado em março deste ano, o relator, desembargador Sebastião Barbosa Farias, rejeitou os argumentos da apelante com base em um suposto artigo 603 do Código Civil, que, segundo ele, previa: “Se o dono da obra desistir da execução do contrato sem justa causa, pagará ao empreiteiro todas as despesas que houver feito, o lucro que razoavelmente obteria e mais metade deste lucro”.
No entanto, essa redação não corresponde ao conteúdo do artigo 603, que trata, na verdade, da dispensa imotivada do prestador de serviços: “Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato”.
A decisão foi então contestada por meio de embargos de declaração. A defesa da autora apontou omissão e ausência de fundamentação adequada, já que o acórdão não enfrentava os argumentos centrais do recurso e baseava-se em dispositivo inexistente.
Ao julgar os embargos, o relator reconheceu que a decisão violou o artigo 489, §1º, IV, do CPC, que considera não fundamentada qualquer decisão judicial que deixe de enfrentar argumentos capazes de infirmar sua conclusão. Com isso, o acórdão foi anulado e o recurso deverá ser julgado novamente.